6 de março de 2013

VILA DOS BOTOCUDOS



VILA DOS BOTOCUDOS

Primeira parte
O CATACLISMO MUNDIAL E A FAMÍLIA DE POMPEU

Os jornais televisivos tinham matérias em abundância, revoltas por todo o planeta, desemprego em massa, miséria, saques a supermercados e caminhoneiros. Nos países frios as pessoas queimavam os móveis, fios de eletricidade e estátuas de metal eram roubados por toda a Europa. Os governos daqui e dali fazendo planos cada um mais insustentável do que outro. Atentados por toda parte. Aquele mundo, do jeito que conhecíamos estava para desmoronar.

A mídia, comprometida com as corporações que a sustentavam como sempre, mostravam notícias superficialmente não indo ao cerne da questão. Mesmo assim, grande parte da população já se inteirava que por trás dos bancos centrais do mundo inteiro, estavam camuflados os banqueiros – principais criadores de desgraças pelo mundo inteiro e cujos governos, a séculos financiados e manipulados por eles, jamais elaborariam uma plano de metas sustentável.

Como se não bastasse, aquelas explosões no Sol, influenciando o clima da Terra juntamente com a indiferença das grandes corporações poluindo tudo e arrasando a natureza, alteraram o clima de tal modo que a situação ficara insustentável. As pessoas perderam a noção de quando e como plantar, a água diminuíra e o que restava ficara contaminada.
Enquanto os fatos transcorriam, Pompeu prevenindo-se, pelo noticiário, pela fé e intuição,  fortaleceu o telhado colocando calhas  para recolher a água da chuva, reforçara as fechaduras, comprou velas e remédios para um bom tempo e no pequeno muro , único lugar a bater bem o Sol, pendurara muitos vasos com hortaliças. Devido aos seus recursos escassos era o máximo que poderia fazer naquela época.

Dias de trevas cobriram a Terra inteira. Pompeu cerrara as portas e janelas de sua modesta morada. Fechou os cômodos da casa que não possuíam um bom telhado e laje reforçada  e juntou a família nos espaços mais resistentes de sua moradia.

O vento uivando açoitava seu lar, com lixo, pedrinhas, telhas e todo tipo de material. A luz fora cortada, parecia que chovia relâmpagos e trovões ouviam-se carros, batidas, gritos desesperados, gemidos, madeirais, pedras e telhas pipocando pelo asfalto. Algumas pessoas desesperadas tentavam entrar em sua casa, causando um medo maior em todos. Pompeu, apesar de não possuir armas, ameaçava atirar em quem pusesse o pé lá dentro. No interior da moradia, revezavam-se os choros, sustos e rezas. Racionavam velas, água e alimentos. Pompeu não garantia que seriam salvos e nem deixava ninguém abrir a porta, coisa que alguns desejavam. Ele só esclarecia que se tivessem que morrer era porque não tinham mesmo como escapar.

Antes que a escuridão acabasse, todos os sons terminaram. Parecia que no planeta não havia ser vivo nenhum. O silencio era  apavorante.
Depois de quatro dias de trevas o Sol mostrava-se irradiando luz pelas frestas das portas e janelas. Foi um alívio, pois as velas acabaram fazia algumas horas. A expectativa do desconhecido deixava a todos apreensivos. As portas estavam emperradas e não se sabia se a casa estava soterrada ou se ao abri-las despencariam uma inundação de barro e entulhos.

Pompeu destrancou as fechaduras e retirou os pinos das dobradiças para poder abri-las. Assim que empurrou as portas uma quantidade de lixo e entulhos precipitou-se sobre a soleira, mas o Sol estava de fato esplendoroso. Aliás, nunca ninguém antes se encantara tanto com essa pequena estrela e agradecera sinceramente pela existência desse maravilhoso astro.

Os cômodos não possuidores de laje caíram em parte, o chão estava abarrotado de caibros, terra e telhas atrapalhando a passagem.
A curiosidade somada a emoção mantinham calados os moradores daquele lar. Na rua, em meio ao cheiro de carne em putrefação apareciam  uma ou outra pessoa igualmente apreensiva. Havia carros batidos e mergulhados na lama, Os fios de eletricidade tinham caído juntamente com muitas árvores, as casas que se manteram em pé, estavam descobertas e a maioria desmoronara. O lixo e entulho esparramado por todo o lado, a lama preta e fétida tingiam a paisagem.

MORTOS E SOBREVIVENTES
Os sobreviventes se avolumavam na Avenida de entrada do bairro, onde havia inúmeras fábricas e o terreno estava mais limpo de entulhos já que a Avenida era bastante larga. Apreensivos com o acontecido, não tinham coragem de trocar muitas palavras, pois era como se devessem pêsames uns aos outros porque todos tinham parentes e amigos mortos e outros não sabiam do paradeiro de seus familiares.
Os poucos remanescentes só se deram conta que estavam diante de um novo mundo quando perceberam que estavam numa ilha, bastante rasa e ninguém viria para socorrê-los. O centro da cidade, que beirava o córrego do Lajeado estava totalmente submerso sob um grande lago em torno de um bairro bastante alto ao norte chamado costumeiramente de bairro alto. A sudeste, outro bairro emergia sobre as águas num grande morro chamado de Brabância. O leito da linha do trem transformara-se num rio relativamente raso  e ao sul onde deveria ter uma represa  a 18 km de distância havia encostado no bairro a menos de 6 km um grande e imenso mar com ondas que pareciam ameaçar sua rasa ilha do Jardim Paineiras. Esse mar estava inclusive com a água salgada e não se via a outra margem. A oeste nada mais se via senão água.

Pompeu lembrara algo que tinha dito algumas vezes:
-- Meu otimismo estava baseado na certeza que esta civilização iria desmoronar.
Meu pessimismo ainda pode estar em tudo o que resta dela para arrastar-nos em sua queda’’. E, em meio aos poucos sobreviventes, Pompeu continuava:
--Creio que nossa principal tarefa no momento seja a sobrevivência. Porém não desanimemos, pois estamos diante de um novo mundo que será sem dúvida muito melhor. Mundo este, que nós próprios vamos construir. Sem capitalismo, patrões e empregados, sem drogas, banqueiros e corruptos.

As pessoas chocadas com o acontecido, não se achavam dispostas a dar corda ao discurso um pouco filosófico daquele velho gordo no momento e, antes que continuasse, fora interrompido por Manolo possuidor de uma pequena serralheria no bairro. Ele passou os dias da catástrofe junto com o marceneiro Toninho que ao sair da marcenaria percebeu que não daria tempo de chegar em casa, quando Manolo vendo-o na rua, chamou-o para ficarem juntos.
Manolo era uma pessoa religiosa, bem informada que prestava atenção aos fatos e guardava na memória uma mensagem de Nossa Sra. de Fátima a respeito do acontecido. Fazia tempos que ele vinha orientando a família, como se esperasse uma grande catástrofe.
A única coisa que não pôde prever foi que não estaria em casa na hora do cataclismo. A  família de Manolo morava no Bairro Alto e a do Toninho na Brabância – dois bairros que não chegaram a ser destruídos totalmente, embora estivessem  cercados de água por todos os lados Nessas alturas a solidariedade sempre fala mais alto, logo alguém sugeriu e se habilitou junto com os mais conhecidos  a construírem um barco com garrafas pet e assim fizeram sem medir esforço até altas horas. O barco acabou ficando mais parecido com um desses barcos que carrega carros, ou seja, um jangadão com garrafas em baixo e madeira em cima. Os remos foram improvisados com tábuas serradas de modo a tomarem uma forma mais larga.
Partiram na igapeba* o construtor, Manolo, Toninho e um funcionário público.

Enquanto isso, alguns grupos se propuseram a procurar sobreviventes, outros atraídos por um relinchar ininterrupto de um cavalo se dirigiram à uma espécie de feira agropecuária, cujo entorno, tinha muita lama dificultando a caminhada do grupo disposto a achar o tal animal agitado, mas valeu a pena, pois além do barulhento havia mais dois cavalos bem debilitados nas baias, todos com as patas enfiadas na água, bodes, carneiros e aves empoleirados no muros que cercava a exposição dos variados tipos de gado, cuja maioria estava morto e alguns poucos ainda vivos embora bem abatidos com a metade do corpo debaixo d’água. Levaram primeiro os três cavalos. Para depois voltarem com mais gente para pegar o resto dos animais.
O pessoal decidido a encontrar sobreviventes, constatou que a grande maioria dos habitantes do bairro estava morta, mas tiveram a satisfação de salvar algumas pessoas. Umas vieram simplesmente amparadas, outras, muito feridas, transportadas por carriolas. Acharam mais conveniente abrigá-las na antiga APAE, um prédio quase intacto que possuía condições mais apropriadas para alojar feridos.
Um fato notado nessa busca de sobreviventes era que, traficantes, drogados, fanáticos, avarentos e toda gente parasita e malevolente, tinham sido varridos da convivência daquela vila. Possivelmente sua loucura e impaciência, as fizeram se expor com mais descuido à catástrofe.

DRA. MARILENA
Dra. Marilena estava profundamente abatida, pela certeza de ter perdido seus familiares, pois morava na região central da cidade a qual ficou totalmente debaixo d’água. Afinal era seu marido também médico, um companheiro amigo de todas as horas que lhe faltava agora, além de dois filhos que se encontravam na faculdade, que também não sobreviveram. Restava-lhe apoiar-se na esperança de uma filha viva morando em Mato Grosso com o marido.
Apesar da dor a corroer sua alma, a minar-lhe todos os ânimos, não se achava no direito de lamentar suas perdas, em meio a tantas pessoas sofrendo, salvas talvez, para protagonizarem um novo começo para a humanidade. Animava-lhe o notar a grande solidariedade ainda existente naquelas almas feridas e, solidariedade era-lhe um sentimento muito peculiar, pois vinculava as pessoas, independentemente de crença a causa do outro. Ou seja, solidariedade é melhor que a caridade, pois não supõe que exista aquele que dá e a humilhação do outro que recebe, pois nesse caso, todos são iguais.
Era preferível pensar que não foi por ironia do destino, mas pela providência que a doutora fora salva, pois  foi por ela ter visitado a nora do Sr. Nobre acamada e impossibilitada de se locomover o motivo de sua salvação. Fato este, bastante incomum nos médicos de então que tratavam a doença e não o paciente sem nunca preocupar-se em visitá-los em casa.
Pois é, enquanto a Dra. Marilena atendia a paciente o cataclismo começou e ela ficou impossibilitada de sair da casa do Sr. Nobre.
O Sr. Nobre era um pequeno empresário fabricante de utensílios de gesso, cuja fabrica beirava o mar surgido no lado sul da ilha na qual se tornara o Jardim Paineiras. Suas horas de folga eram dedicadas à militância e afazeres num partido socialista. Era um homem desprendido, nem se preocupava em salvar ferramentas de sua pequena empresa. Aliás, por longos anos não foi visitá-la.

A CHEGADA DA NOITE
Mais uma vez a natureza, como fazia a milhares de anos, presenteava a insensível raça humana com o mais esplendoroso colorido por do Sol. O entardecer daquele dia propiciava novas esperanças, sugerindo uma aliança de harmonia entre a mãe Gaia e a raça humana.
Pequenas fogueiras, aqui e acolá começaram a pipocar na noite, uns repartiam mantimentos enquanto outros procuravam velas. Um senhor aposentado que perdera a família inteira explicava e demonstrava na prática às pessoas como, na sua juventude, fazia pequenas luminárias colocava água num copo, cobria essa água com um pouquinho de óleo de cozinha, depois recortava uma rolha de modo a fazê-la boiar no óleo, fazia um furinho na rolha para passar um curto pedaço de barbante de modo a ficar parte mergulhada no óleo e parte para cima da rolha, depois acendia o pavio de barbante. A luz era fraca, mas valia.
A Dra. Marilena se propôs a pernoitar na APAE junto com os feridos, foi acompanhada de uma agente de saúde que levava os últimos remédios do posto de saúde do bairro, uma enfermeira e o Demétrio – o vendedor de ervas naturais nas feiras de domingo.
Aqueles que tiveram as casas com risco de desabar foram trazendo alguns pertences para pernoitar nas portarias das grandes fábricas, outros desabrigados se alojaram dentro de algumas fábricas, os moradores de outros bairros foram convidados e se juntarem, para que pudessem ter um descanso.
Parece que a noite trás a tona com muito mais ênfase os dramas e as dúvidas da alma humana. Provavelmente a falta da atividade a distrair-nos coloque em evidência as amarguras de cada um de forma mais contundente e a falta de resposta sobre o dia de amanhã se avoluma.
Refletiam os moradores da vila: como sobreviver, sem trabalho, dinheiro, energia elétrica, água potável, alimentos disponíveis, empregos, teriam algum parente distante que sobrevivesse a esse apocalipse? E se ficassem doentes quem os socorreria?

Benedito, velho amigo de Pompeu, fora repousar na casa do companheiro, tratava-se de um eletricista de maquinas e aparelhos, ‘expert’ em filosofia e professor de história. Abandonara as aulas por não concordar com o sistema de ensino vigente que instruía os alunos para servir e não para pensar. Benedito se coçava e se limpava a todo o momento, era um reflexo daquilo que tinha passado nos últimos dias, escondido numa vala por onde passava os fios de eletricidade da CEAGESP, teve de enfrentar uma enorme quantidade de ratos que lá foram abrigar-se. Queimava fios de eletricidade junto com alguns utensílios de escritório para espantar os ratos continuadamente.
Era um cético e, se autodenominava realista, pois a algumas semanas Pompeu pedira para ele ver uns vídeos no You Tub, falando de Tesla – um homem que se propunha a retirar energia contínua e inesgotável da ionosfera e distribuí-la diretamente para as casas sem uso de fios e outros vídeos mostrando como montar pequenos aparelhos caseiros de produção de energia contínua usando só o magnetismo, apresentava até veículos se movimentando com essa energia. Na data, Benedito respondeu cético e grosso, ironizando a suposta ingenuidade de Pompeu, dizendo que aquilo tudo era impossível, uma balela e, que Pompeu deixasse de acreditar em teorias da conspiração veiculadas pela internet.
Pompeu, pego de surpresa, não tinha uma resposta para a ocasião, mas lembrou depois que não era a instrução acadêmica que fazia o ser criar, inventar soluções, era o sonho.

O SONHO
Talvez, uma das únicas pessoas em paz com essa situação era o Pompeu que desejava ter longos anos de vida para ver o renascer de um novo mundo ainda nesta vida. Tinha certeza que o planeta, a existência do homem não teria saída se não acontecesse um evento catastrófico obrigando a humanidade a repensar a vida respeitando, sobretudo a Terra. Há tempos vinha estudando e conhecendo os grupos que mais prejudicavam o planeta, como principalmente os banqueiros, as corporações que não tinham escrúpulo nenhum ao envenenar a terra, as águas, a saúde dos seres vivos, a indústria alimentícia com seus milhares aditivos, o monopólio das sementes, os hormônios aplicados em animais, a manipulação da mídia, o controle dos laboratórios farmacêuticos. Arquivava tudo em seu computador que agora, sem energia, estava obsoleto.

Pois é, pensava ele: “Eram esses imbecis dos bancos, das corporações e determinados políticos tentando nos convencer que uma simples mudança em nossos hábitos seria suficiente para salvar o planeta de um desastre. Enquanto nos culpavam e exigiam atitudes continuavam poluindo sem cessar o ambiente e nosso espírito. Enquanto isso, os banqueiros criavam artificialmente crises para arrancar cada vez mais dinheiro dos governos e conseqüentemente tirando do povo o emprego, o pão de cada dia e as garantias sociais.
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UM NOVO AMANHECER
Sabe quando, a gente vai dormir com um grande problema sem conseguir resolvê-lo e acorda no dia seguinte com o problema  já meio solucionado. Pois assim aconteceu com um punhado de gente na vila.
O Sol brindava o povo com novas e belíssimas cores que iam variando com o passar dos minutos.
As pessoas instintivamente acorreram para a avenida principal, mais larga e limpa. Portanto mais adequada para reunir pessoas.
Havia uma sensação de união no ar, um desejo de resolver conjuntamente como iriam sobreviver sustentavelmente daquele dia em diante.

Dona Dinha, uma senhora que vivia a fazer salgadinhos para vender aos funcionários das fábricas, surpreendeu a todos na rua, dizia ela que manteve o gelo em isopor até o dia anterior e fez durante a madrugada sob a luz do fogão a lenha e muitos copos com óleo e a tal da rolha para iluminar. É que sem o frezeer iria perder toda a carne explicou ela..
Pompeu aproveitou para chamar a atenção de todos para as providências que deveriam tomar para sobreviverem daquele dia em diante.
--Gente! Andei pensando à noite sobre a primeira coisa que devemos fazer será garantir juntos  a sobrevivência de todos em primeiro lugar. Sabemos que na CEAGESP tem enormes silos de soja e milho que poderemos usar e plantar.  Temos o poço artesiano que era explorado pela Cia. de águas, nele só falta colocar um motor para gerar energia a fim de bombear a água para fora, o posto de gasolina está logo ali na estrada e os caminhões tanques aqui estacionados estão cheios de óleo diesel, gasolina e álcool para movimentar esse e outros motores por longo tempo se precisarmos. Tenho aqui meu amigo Benedito que precisa de um motor mais algum ajudante para fazer funcionar a bomba. Além do mais, ainda há essas caixas d’águas enormes das fábricas aqui em volta. Portanto, água potável nós teremos. Outra coisa importante será providenciar a limpeza das ruas e das casas, pois se deixarmos assim poderemos contrair doenças. Um terceiro detalhe é que precisamos guardar todo caroço de abacate e de manga, toda semente de fruta, qualquer rama de mandioca, semente de legumes, inclusive de mamona para fazermos óleo combustível e sabões futuramente. Não podemos desperdiçar absolutamente nada do pouco que temos, inclusive latas e garrafas que poderão guardar sementes e mantimentos, assim como, cascas de frutas, folhas e esterco para usar como adubo.
Estou meio velho talvez não consiga plantar com matraca  como na minha juventude, mas me disponho a ir plantar com os agricultores, já que não tenho afazer mais importante no momento.
Nesse ínterim, um jovem meio desdentado gritou em meio a multidão:
--Ah! Que nada “veio”, deixa com a gente esse negócio de plantar que “é nóis” que somos da lida. Fica aí pensando, orientando o “pessoá” que vai ser muito “mió”. Aproveita vai tirando essas “traias” do seu quintal que depois “nõis leva”.
A casa do Sr. Pompeu se tornou muito conhecida, pois ficava na avenida principal bem de frente onde as pessoas se reuniam. E assim foi feito, enquanto Pompeu com seus familiares limpavam o terreno, davam e recebiam informações de todas as atividades ocorrendo em vários lugares.
Pompeu orientou as crianças pra juntarem sementes, galhos o que se tornou uma brincadeira.
Durante o dia, chegavam ininterruptamente pelos lados da ilha gravetos e galhos de arvores, inúmeras e variadas sementes de todo tipo de planta, animais exaustos nadando como: quatis, cotias, raposas, cuícas, capivaras, sapos, lagartos, gado e até um casal de antas que foi uma festa para as crianças.

No meio do dia retornaram o Wagner (construtor do barco improvisado), o funcionário público e  Sr. Manolo com o genro, a filha e o neto. A esposa morrera por um colapso durante a calamidade. Toninho por sua vez, encontrou a esposa debaixo de uma mesa coberta de entulhos com a filha. É que ao notar as paredes caindo, no último dia da catástrofe a esposa correu para baixo da mesa com a filha e depois não pode sair até Toninho chegar. Resolveram ficar por lá por mais três dias porque a Margarida (esposa de Toninho) estava muito abalada e o marceneiro queria juntar algumas ferramentas e mantimentos antes de virem para o Jardim Paineiras.
Pompeu abraçou Manolo convidando-os para o almoço – bastante simples para aquela ocasião, arroz, feijão, farinha e abobrinha, convidou-ós para ficar na casa mas Manolo preferiu ficar na Serralheria com a família.
Em conversa no almoço, Pompeu pôs a par os convidados de tudo o que ocorrera na ilha enquanto estiveram fora e sugeriu ao Wagner (o barqueiro) que tentasse ver se tinha alguma coisa aproveitável na outra CEAGESP, no depósito da Secretaria de Agricultura e na fábrica beneficiadora de arroz que ficavam no meio do caminho para a ilha da Brabância. Suscitou que deveria ter lugares onde andariam a pé e outros que precisariam do barco.
Wagner confirmou: houve mesmo lugares onde tiveram que carregar o barco e outros nos quais puderam navegar e estava até pensando em adaptar grossas rodas de bicicleta nas laterais do barco para passar com facilidade por esses lugares sem água.

Após o almoço Wagner saiu com o funcionário público atrás de rodas para o barco, pois com ele carregado seria difícil empurrá-lo nos terrenos sem água.
Manolo, que tinha trazido muitos alimentos não perecíveis,  partiu para sua serraria com a família, enquanto a filha e o neto arrumavam o ambiente, ele e o genro tiravam o motor do carro para fazer mais um gerador esperando contar com a ajuda de Benedito (o eletricista).

OS DIAS TRANSCORREM
Parecia mesmo que o Universo conspirava a favor dos sobreviventes, os dias eram lindos, ensolarados, com clima constante e mais ameno, chovia ainda bastante durante as madrugadas.
Os habitantes pressentiam mudança no céu, não conseguiam atinar se era a cor que tinha alterado, ou o ar estava diferente, só concordavam que os dias eram mais brilhantes e coloridos.
O hábito de se reunirem todas as manhãs e tardes em frente a casa de Pompeu, persistia.
O estoque de soja e milho da CEAGESP era enorme e Dona Dinha passou a fazer pão e leite de soja todos os dias para a população da ilha, o pão era uma espécie de pão de Cristo (a massa fermentava sozinha) e, quando lhe arrumavam açúcar ou mel saía também alguns docinhos. Pompeu com a família limparam também o terreno de Dona Dinha.
Toninho, depois de três dias, chegou com a esposa, a filhinha e mais dois amigos, sua família se alojou na Serralheiria do Manolo e os companheiros ficaram abrigados na grande fábrica junto com outros.
Benedito havia feito funcionar o motor para bombear água do poço artesiano e ainda montou um gerador para o Manolo que aproveitando a energia, construiu alguns arados para ser puxado por boi ou cavalo, em seguida fez a armação para uma charrete com as rodas do próprio carro e Toninho a parte de madeira. Com as 4 rodas do carro de Pompeu fez uma espécie de carroção para ser puxado por cavalos
Wagner, assim que colocou as rodas na jangada, foi procurar, com amigos, os mantimentos que estariam nos depósitos a caminho da Brabância e a grande surpresa foi terem encontrado sacos de feijão e arroz embalados com plásticos ainda intactos, cestas básicos montada para serem distribuídas para fábricas e funcionários da prefeitura, sacarias de 60 kg de arroz com casca e feijão na secretaria da agricultura. Muita coisa estava molhada, mas demorou dias para trazerem o que estava intacto. E o que não estava preservado trouxe também para plantar ou para servir como adubo orgânico. Uma das fábricas se transformou no novo depósito de alimentos cuja distribuição era feita aos moradores de tempos em tempos pela filha de Pompeu que também fornecia o pão de soja, o leite de soja e o de vaca, bem como os galhos e gravetos para fogueiras.
A Charrete e o Carretão feitos pelo Manolo e companheiros ganharam condutores que tinham tarefas ininterruptas diariamente.
Em virtude de um entendimento no qual os habitantes não poderiam cortar árvores ou galhos, só podendo recolher os galhos naturalmente caídos, adolescentes e crianças juntavam sementes, galhos e gravetos em torno da ilha, o carroção buscava-os e deixava nos lugares pré- determinados,  bem como, transportava igualmente o lixo orgânico para as plantações.
Pompeu ajudava no que podia ora como uma espécie de secretário da vila, ora como ajudante para descarregar material e utensílios e às vezes escolhendo lugares mais propícios para a plantação, criação de animais, pois sempre orientava para a vila não se transformar numa grande poluição visual. Segundo ele, tudo deveria ser bem pensado e planejado, de modo que a vila se transformasse num lugar aprazível, saneada, limpa e milhares de outros adjetivos que deveriam fazer da ilha o melhor lugar do mundo para viver.
Os dias transcorriam cheios de afazeres e, estando todos sempre  atarefados nas ruas, aparentava que o lugar tinha mais movimento do que no tempo das fábricas funcionando.
A solidariedade, somada as necessidades de sobrevivência aproximava as pessoas. Portanto, todos se conheceram ficando cada vez mais íntimos.

Assim, no dia a dia, aqueles que tinham medo de perder o emprego iam percebendo que podiam continuar trabalhando sem a presença de um patrão. Além de tudo, Dona Dinha, costumeiramente, reforçava em público o privilégio da liberdade, argumentando:
--Éramos todos condicionados ao comportamento produtivo pela organização do trabalho, e quando saíamos das fábricas, conservávamos a mesma pele, a mesma cabeça sem nos apercebermos que o fruto de qualquer trabalho não era da empresa, mas de nós próprios. Somos os que realmente produzimos. Veja, saí do restaurante onde trabalhava ganhando uma merreca, comecei com os salgados que me deram minha, casa, o carro que não vou usar mais e tudo o que tenho. Pois é, (ironizou ela) o mundo já até acabou e eu continuo fabricando meus alimentos e continua não me faltando nada.
Dona Dinha, quando falava despertava sempre uma risada ou, pelo menos, a melhoria do humor no pessoal.
  
 OS ENCONTROS AO PÉ DA FOGUEIRA
E O CALENDÁRIO DA PAZ
Era exatamente lá, em frente a casa do Pompeu, o lugar das pessoas buscarem, numa fábrica inativa, o pão da Dona Dinha e o leite diariamente e  também combinar os afazeres do dia para que a vila pudesse ter sustentabilidade. Lá, ora Pompeu, ora o Sr. Nobre tinham sempre sugestões alvissareiras para o dia, era também o lugar no qual todo mundo se reunia a noite ao pé da fogueira. E se a chuva viesse, a fogueira era feita assim mesmo debaixo de um gigantesco depósito de bebidas do outro lado da rua.
Dialogavam sobre um mundo melhor, a maneira mais sadia e feliz de viver, a beleza do planeta, o paraíso que poderia se tornar a vila. E, como suavizava as amarguras o trocar dessas idéias!
Os assuntos se revezavam a cada noite, todos participavam e de uma certa forma as esperanças do vilarejo ganhava força.

Num desses encontros a Dra. Marilena, já tendo liberado os primeiros acidentados continuava a atender no prédio da APAE os doentes com a ajuda da agente de saúde, a enfermeira e o Sr. Demétrio que passou a produzir alguns remédios naturais para substituir os alopáticos que começavam a faltar resolveu falar:

--Olha pessoal, eu queria falar sobre uma coisa totalmente desconhecida, não se preocupem, não é uma nova doença, nem nada contagioso. Trata-se de outro calendário para nosso grupo, um calendário da paz, ou seja, um calendário do tempo natural. Penso esse calendário como a forma de viver mais de acordo com a existência de um mundo novo. Mundo este, que começamos a viver hoje, pois o calendário do tempo natural foi feito com exatidão combinando os ciclos da natureza, a mudança de estações do ano, as estrelas no céu, as fazes da Lua, a rotação da Terra, a translação da Terra em total harmonia com  o percurso de outros planetas. Ele é tão natural e perfeito que fica em exata concordância com nosso biorritmo corporal, O Biorritmo é um conjunto de atividades e de processos bioquímicos, fisiológicos e do comportamento que afetam e influenciam nosso corpo e  todos os organismos vivos, modificando nossa disposição,  nossos estados de humor, até possibilidades de hemorragia em operações clínicas. Ele inclusive respeita o ciclo menstrual da mulher que dura cerca de 28 dias.
Está difícil de compreender?
Bom, vou esclarecer melhor! O calendário é formado por 13 períodos chamados de Luas porque cada um desses peródos representam as 4 fases da Lua que acontece dentro de 28 dias.
O que eu quero dizer com isso é que continuando a viver nas normas do calendário gregoriano usado hoje estaremos separados da informação natural e dos ciclos naturais e assim sendo, permanecemos criando desajustes em nossas vidas como enfermidades mentais e a perda da nossa ressonância física e espiritual com a natureza precipitando-nos para a dependência total e cega do materialismo.
Isso mesmo, esse materialismo que foi capaz de quase destruir o mundo, essa sensação de medo e desesperança que nos aflige agora. O calendário de 12 meses força-nos a aceitar que “tempo é dinheiro” como nos tem sido ensinado desde 1582 quando foi criado o calendário. Além de tudo, nos incita a competição, ao aprisionamento de nossa alma a conceitos totalmente anti-naturais. Daí o surgimento dos anti-depressivos, as drogas.
Posso dizer com toda certeza: TEMPO É ARTE,  TEMPO É ALEGRIA, TEMPO É VIDA, TEMPO É BELEZA (falou mais alto a Doutora).
A quebra da ordem natural da vida nos levou a essa sociedade dominada pela cultura do dinheiro, pelas bolsas de valores, para a sublimação das corporações, do comércio e dos bancos, que provocaram todo tipo de desequilíbrio, como guerras, contaminação,  a matar nosso próprio semelhante, desigualdades sociais, cidades gigantescas e inabitáveis onde nem se podia trafegar.
Queremos isso novamente para nossas vidas?
--Não! Foi a resposta uníssona de muita gente. Sorrindo a doutora continuou:
--A organização da vida com base no calendário da paz não é uma mera recontagem dos dias, mas um arranjo matemático e científico possibilitando a sincronização com o tempo verdadeiro, representando mudanças fundamentais tanto na organização da nossa matéria como em nosso espírito. Mais para a frente vou ver se trago mais esclarecimentos sobre o assunto.
A partir daí a Dra. Marilena passou a atender dúvidas aqui e acolá sobre o assunto e receber a parabenização de um a um sobre a instituição do tal calendário na vida de nossa querida Vila.
Pompeu relembrava que num determinado ano, o amigo Benedito criticara os caras que observavam as estrelas só para fazer um calendário mais perfeito para os melindres do imperador da China e dos Maias. Dizia que isso era uma perfeita perda de tempo investigar anos a fio só para satisfazer um poderoso.  Agora ele compreendia que era a nossa  própria ignorância que nos impedia de compreender tal estudo.

SUSTENTABILIDADE 
Naquele dia os lavradores voltaram contentes do plantio, tendo terminado no dia anterior uma cota suficiente de sementes necessárias à sustentabilidade da vila, começaram a plantação de outras espécies aproveitando as sementes recolhidas pelas crianças e aquelas cujos moradores vinham guardando. O fato inusitado era o desconhecimento da maioria das sementes. Então, plantavam-nas conjuntamente com as conhecidas como: abacate, manga, coquinho, pêssego, mamão, café, limão, marolo, jaca, fruta do conde, pera e outras.
Era uma mistura intencional, porquanto deveriam fugir de toda semelhança ao agro-negócio que ao encher a terra com uma única espécie atraiam pragas e espantavam os animais.
Dizia o Senhor Nobre que orientava enquanto trabalhava com os plantadores.

--Se você quer ter esquilos plante castanhas, se quiser araras cultive frutas, girassol . No futuro, aqui será um bosque maravilhoso onde as pessoas terão motivos para se encantar, as crianças poderão brincar aumentando a  intimidade com os animais e as plantas.
Nossa realização não é absolutamente para comércio ou só para nos alimentar, mas para as crianças, os animais, para o benefício da nossa casa – o planeta Terra.

À noite, a certeza da sustentabilidade causava um alento nas almas preocupadas dos presentes.
Ao pé da fogueira, a alegria de Pompeu era notável então, inicio a palestra:

--Olha pessoal! Estamos aliviados, bem o sabemos. A primeira meta – a da subsistência – está para ser cumprida. A palestra fora interrompida por aplausos.
E continuou falando o Pompeu:

A vila está limpa dos entulhos, agora é preciso atender a outras necessidades, como a da educação para as crianças, a produção de açúcar e óleos, a construção de moradias. Então, será preciso tomar cuidado e estudar minuciosamente cada detalhe de como queremos a educação de nossos filhos, a construção de nossas casas. Não podemos repetir em hipótese alguma o modelo de vida mercantilista anterior que visava o lucro, o imediatismo instruindo nossas crianças só para apertar botões e construindo cidades, para os negócios e os automóveis. Será preciso refletir a educação – digo educação e não escola, porque a palavra escola nos remete ao tacanho sistema antigo de instruir – e a educação deverá instigar a liberdade, a criatividade, o respeito ao ambiente e as pessoas. Valorizará a arte, a beleza, o bom, o significado da existência. O conhecimento não poderá vir de um professor com uma lousa, mas de práticas em atividades na própria comunidade, respeitando desde cedo o amor ao realizar. Novamente aplausos ocorreram e, Dona Dinha aproveitando pediu uma “licencinha” para interromper dizendo:

--Pompeu está certo!! Toda tarefa  na vida deve ser feita com capricho e bastante amor indo desde o pãozinho com manteiga quando você passa a manteiga até os extremos, dá uma esquentadinha para ficar mais
apetitoso, acrescenta um copinho de leite quentinho e serve ao amado com um beijinho, até a construção da casa que minuciosamente deve ser analisada para procurar detalhes onde você possa  adicionar, encanto e beleza.

Pompeu continua:

--Com relação à moradia, não existe mais cartórios, IPTUs,  e nem existirá mais a palavra “propriedade”. As casas não terão mais cercas ou muros. Os registros de imóveis estão debaixo d’água faz tempo e quem vai dizer alguma coisa? Mas é preciso planejar para não construirmos um amontoado de residências sem sentido. Bom senso, providência, arte, bom gosto, respeito ao meio ambiente deve ser a orientação em todas as atividades da comunidade, as residências deverão ter grandes quintais embelezados pelo morador, serão feitas em lugares adequados e para todos que desejarem.

Um alvoroço de satisfação surgiu entre os ouvintes até que um jovem lavrador disse:

--Então seu Pompeu, quer dizer que nós vamos sair do aluguel e teremos uma casinha bonitinha assim como o senhor falou?

--Certamente companheiro! E ela será do tamanho das suas necessidades, com direito a aquecedor solar, luz natural de garrafas pet com água no telhado e biodigestor. Se todo mundo concordar.

--Vixi! Mas o que é biodigestor?

--Biodigestor será onde você mandará todas as suas fezes inclusive o lixo orgânico da casa. De vez em quando vc vai ter que mexer  um pouquinho nele, mas você poderá até ter gás encanado e adubo para colocar no seu jardim. Bom, quanto a isso, ainda vamos estudar para descobrirmos a melhor maneira de instalá-lo nas casas. Notem vocês a não necessidade
de  fossa que contamina a terra e nem da rede de esgoto que exige um tratamento gigantesco.
Quanto a produção de óleo, açúcar, e farinha nossos “engenheiros” estão estudando uma maneira criativa de num só lugar poder fazer as três coisas com a utilização de mulas ou de vento. Ironizou Pompeu fazendo um sinal com as mãos representando as aspas.

REALIZAÇÃO E PLANEJAMENTO
Aquela manhã tinha ficado agitada demais, era um entra e sai na casa de Pompeu que extrapolava a capacidade da moradia, o movimento era tanto que resolveram mudar as atividades relativas ao bairro para o escritório de uma fábrica de aparelhos elétricos quase ali em frente.
O  prédio, inteiro de concreto resistiu perfeitamente às intempéries da catástrofe, o escritório era grande com janelas amplas e aquele vidro grosso. Estava tudo intacto, inclusive o mobiliário com escrivaninha, pranchetas e material  de desenho.

Pompeu, um autodidata, conhecedor de artes, desenho de construção civil e de projetos, um estudioso inveterado e constante de arte, política, economia, ecologia, filosofia, curioso sobre áreas científicas, não era doutor em nenhuma dessas disciplinas, mas uma pessoa simples, de poucas posses, anarquista, sem religião, mas com enorme religiosidade interior a ponto de praticar meditação todos os dias.  Enfim, se encaixava perfeitamente com aquela situação de mudança planetária.
Discutiam, esboçavam, planejavam vários projetos e atitudes ao mesmo tempo, pois era necessário não deixar perder o ânimo da população.
Projetavam a nova forma de moenda que pudesse esmagar a cana para a garapa, espremer sementes para o óleo e movimentar um rolo pesado para a fabricação de farinhas.
Havia um projeto meio parado do novo barco que deveria ter motor que movimentasse as rodas, bem como, a pequena hélice para navegar.
Estudavam livros com exemplos de construção de biodigestores, modelos ecológicos para montagem de aquecedores solares, fogões e fornos a lenha e solares, captação de água nas indústrias e nas casas, cisternas. Participavam desses projetos, o homem do ferro velho e esposa, dois eletricistas incluindo o Benedito, o Serralheiro Manolo com o genro, dois mecânicos o Senhor Nobre, alguns pedreiros e carpinteiros que trocavam idéias e experiências dando sugestões, Toninho e mais dois marceneiros e 10 jovens que aprendiam, colaborando com tudo, ora levando e trazendo livros, e utensílios, ora martelando, instalando, limpando e tudo o mais que um rapaz ou garota podia fazer.
Com relação ao projeto da nova forma de educação, apareceram algumas pretensos educadores, mas era outro caso à parte a exigir cuidado porque bem difícil seria mudar o modelo pré-existente na forma de ensinar. Pois a inclinação natural das pessoas era resistirem à mudanças e quando aparecia alguém disposto a criar, ter atitudes diferentes a tendência do resto dos professores ou funcionários públicos era esfriar e isolar o idealista num canto até sua desistência.
Pompeu abominava o poder que corrompe, o status que exclui, os patrões e mandatários que oprimem. Aliás, sempre deixava claro em todas as ocasiões que a vila se quisesse ser um paraíso deveria repudiar qualquer ligação com todo tipo de poder. Apregoava incessantemente o esquecimento das palavras propriedade, competição, patrão-empregado, chefe, diretor, gerente, capital-trabalho, poupança, economia, banco-dinheiro, dívida, prestação, religião, desigualdade-igualdade, riqueza-
pobreza, progresso. A palavra trabalho sugeria substituí-la pela palavra realização. A frase “Tenho que” trocada por: “Escolho fazer”.
Aquele velho gordo falava muito - viajava nas idéias como diziam os amigos -  mas instigava a participação de todos e nunca impunha seus sonhos a revelia de uma só pessoa.

VILA DOS BOTOCUDOS
Naquela noite gostosa e ao pé da fogueira, A “Du”, neta de Pompeu apareceu com um violino tocando peças maravilhosas como: “Jesus Cristo alegria dos homens”, “Canon” e outras lindas canções do repertório brasileiro.
Dona Dinha e as oito ajudantes e aprendizes distribuíram pipocas servidas em fundos de garrafas pet cortadas e sabiam todos o por quê de  nunca mais jogarem no chão qualquer objeto poluidor. Portanto, todas as garrafas e utensílios  de plástico, vidro, pneu, metal e pets deveriam ser continuadamente reutilizadas criativamente.
Foi naquela noite o discurso de Benedito dissertado sobre a vida dos índios.
--Nossa existência hoje em meio a tantos dramas por causa da destruição de tudo a qual nos identificávamos antigamente aproxima-nos do modo de vida dos índios existentes em nossa região, talvez aqui mesmo em nossa vila.
Pois é, a vida dos índios era na verdade o que a sociedade moderna,  se escravizava para ter. Ou seja, uma vida em paz harmonizada com a natureza. Porém, não atinavam que ninguém chega à paz, a auto realização com o “ter”, mas sim com o ‘ser’.
O índio só caçava, pescava, fazia ocas, confeccionava flechas e utensílios estritamente só para as necessidades, plantava para si e para o futuro quando um viajante precisasse. Não juntava e não guardava nada. O resto do dia, só brincava, dançava e nadava. Se precisassem de remédio pegavam na natureza. Nada mais! Jamais eles conseguiriam compreender a existência da propriedade, governo, chefe, patrão. O Criador do Universo – Um Deus pregado na cruz então. Era totalmente inconcebível!
Benedito fora interrompido por um ouvinte que perguntou:

--E o cacique, não era um chefe? E o curandeiro, não tinha poder?

--Orlando Villas Boas, um indigenista nos ensina que os caciques, como o curandeiro, nada mais eram senão grandes servidores. Um buscando a cura dos doentes com conhecimento na elaboração de remédios e capacidade mediúnica e outro representando os desejos da tribo, tanto entre os seus como para as pessoas de fora da tribo.
Quando precisavam cortar uma árvore, pediam durante dias perdão à natureza por cortá-la, pediam desculpas à árvore por tirar-lhe um pedaço. Isso tudo acompanhado de muita oração.
Quando nascia uma criança, era considerada um presente do Criador para ser respeitada, festejada e cuidada. Jamais um índio bate numa criança e se virem bater ou ralhar com elas ficam bravos. As crianças iam crescendo e aprendendo com os próprios pais, parentes e a tribo toda, pois todos se sentiam responsáveis por aquela dádiva do Universo.
Para o índio não há diferença nenhuma entre o sonho e a realidade, quando dorme o sonho continua sendo vivência normal como a do dia, a única diferença é a percepção dos mundos material e espiritual  mais abrangente durante o sonho.
Estou contando essa história porque cada um de vocês poderá tirar dela subsídios para suas próprias vidas e por estar bem de acordo com muito do que estamos fazendo e vivendo agora.
Aqui na região da cidade de Avaré e imediações viviam em maior quantidade os índios Caiowas que foram dizimados pelos conquistadores destas terras. Também viviam os índios Botocudos – muito bravos - e os Guaranis em menor quantidade.
É lógico que não estou propondo a volta da moradia em ocas, a vivermos exatamente como eles, mas que essa história seja mais um exemplo de vida harmoniosa e como estamos nos desligando de tudo que a sociedade anterior tinha como um ideal, desejo propor que nossas ruas não tenham mais nomes de personalidades que muitas vezes foram corruptos, assassinos de índios, escravagistas para nomes da natureza como os índios usavam, nomes de flores, talvez nomes de músicas ou poetas.
Benedito mais uma vez fora interrompido.

--Por que chamamos o bairro de Jardim Paineiras se aqui só tinha aquele único jardinzinho mixuruca com uma única paineira que a Cia. De Força e Luz cortou porque atrapalhava os fios de eletricidade. Será que não poderíamos chamar nosso bairro de Vila dos Botocudos que é um nome de gente brava e lutadora como nós? No bom sentido, é claro!

Dona Dinha emendou:
--Seu Pompeu, nos orientou tanto sobre a beleza, sobre  a multidão de coisas que não existem mais, sobre como devemos nomear as nossas novas atividades. Que tal, em vez de habitantes do Jardim Paineiras nos auto-denominemos de Caiowás da Vila dos Botocudos em respeito aos antigos Caiowás mortos aqui. Penso, que estaria mais de acordo com a terra a qual nosso novo calendário da paz tem nos trazido?

Dra. Marilena sorrindo continuou:

--Pode ser incomum, inconsciente ou até uma inspiração do Universo conspirando a nosso favor, mas a mudança da palavra “habitante” pelo nome de “Caiowas” nos torna todos membros de uma mesma família, o que não é de se estranhar já que estamos trabalhando... Ops! Desculpem minha falha! Repito: já que estamos realizando as tarefas para nossa sobrevivência juntos, como faziam  os índios. Isso nos liga a Terra e reforça nossas realizações. Não é Sr. Manolo Caiowá de Nóbrega, Dona Dinha Caiowá da Silva,  Senhor Pompeu Caiowá Felipeti. Não é todos meus queridos irmãos Caiowas? Falou a última frase olhando os ouvintes.
Benedito um cético, naquele momento questionou um pouco suas convicções, pois de vez em quando sentia que suas palavras,  estavam em sintonia com alguma coisa muito maior. Este acontecimento era no fundo seu grande desejo realizado.

A VIDA CONTINUA
Sabe como é, tendo um ótimo engenheiro fazemos obras maravilhosas e quando não temos construímos também e, se não dá certo, mudamos o jeito e se não der alteramos de novo e assim, devagar, sem um profissional especializado,  estava sendo construído  o engenho com tripla finalidade.
“Pois é, Caiowás não desistem nunca.”
Wagner (o barqueiro) agora baldeava livros da antiga biblioteca de Avaré para a Vila dos Botocudos e quando encontrava algo interessante no caminho as recolhia, achava galinhas, porcos e ferramentas e procurava instrumentos musicais.
As novas residências foram projetadas de modo a dar harmonia a vida.
Valmir um professor de arte que estava ajudando na lavoura passou a colaborar nos planos de educação.
A charrete corria, levando tambor, trazendo leite, buscando farinha, entregando pães para quem não podia buscar, buscando livros para a nova biblioteca montada em enorme galpão de bebidas que seria posteriormente, belíssimo centro comunitário.
Os carroções transportavam agora terra, bambus e ferros para as novas edificações, Toninho e os dois marceneiros, dedicavam-se  intensamente a fazer portas e janelas para as casas.
Os pedreiros demoliam  as residências mais estragadas para aumentar o terreno das mais bem preservadas, tomando sempre o cuidado de preservarem todo o material reutilizável.
Sr. Nobre fazia curvas de nível com os lavradores.
A vida prosseguia debaixo de um Sol benfazejo e um céu inspirador.
Benedito dava duro e queimava as pestanas com Manolo e o pessoal construindo o engenho e nas horas mais folgadas elaborava com Valmir e Pompeu o planejamento da educação.

As chuvas da madrugada continuavam a abençoar a terra que retribuía vigorosa com a exuberância do verde que brotava, as noites passaram a ter saraus de música e poesia acompanhadas de  pipoca, amendoim torrado ou soja salgadinha.
No calendário do tempo da natureza (o da paz), o ano não começava mais em janeiro, a não ser o nascimento de Cristo, não havia datas celebrativas religiosas nem nacionais, muito menos as comerciais, como dia das crianças, dos pais. Mas, aconteciam celebrações semanais, com relação ao universo, homenageando o vento, terra, água, o Sol.  Havia a semana do respeito, da elevação, da comunicação, da criatividade, do amor, da disciplina, da vida e da morte, da virtude, do equilíbrio e assim o tempo ia fazendo refletir sobre os interesses reais da existência. Nada tinha a ver com o dia dividido em 12 horas de 60 minutos, as pessoas não  sentiam a necessidade do relógio ou de marcar compromisso, pois estando em consonância com o universo, estavam  sempre no lugar adequado, na hora certa, e com a pessoa correta. A vida passou a fluir com perfeita harmonia e ninguém sentia falta de nada.
Dra. Marilena afixava cartazes onde se reuniam, a cada mudança da Lua e das fases da Lua um símbolo de energia mostrando as freqüências das fazes da Lua , bem como do período também chamado de Lua  e da influência galáctica.

A EDUCAÇÃO
As estrelas, mais brilhantes multiplicavam o encanto do céu., salpicando na abóboda celeste, sugeriam um manto celeste a cobrir carinhosamente a Terra trazendo sensações de paz, beleza e proteção.
No aconchega da fogueira, Valmir começou a falar sobre educação dizendo:
--Todo mundo aqui  se conhece então sabem o meu nome, só não sabem minha profissão – professor de arte e artista plástico. Quero dizer que arte não é um luxo, coisa a ser tida em última instância. ARTE É FUNDAMENTAL (falou mais alto). Arte é o que coloca personalidade numa casa, influência o humor, sugestiona, encanta e entretém os visitantes. A arte está em tudo na natureza desde a criação de encantadora flor pelo Criador como nas palavras de Jesus através das parábolas e exemplos. A arte está inclusive na criação da escrita que era figurada e depois se desenvolveu até se tornar na forma arábica de escrita. A arte colabora com a vida e arte é vida. Simplesmente! Na sociedade em geral a arte sempre esteve presente em todas as coisas, desde um carro, uma lata, uma construção, um livro, na música, teatro, cinema, literatura. A arte fica, e as coisas passam, pois todo mundo lembra o que ficou não é? A pietá de Miclelângelo, Guernica de Picasso, as obras de Aleijadinho, Mona Lisa, o Palácio da Alvorada, a Igreja de Notre Dame Dom Quixote, Camões. Os mosaicos portuguêses  na praça da Vila dos Botocudos.
Falei de arte não só porque sou professor de arte, mas pela importância que ela terá na educação de nossos Caiowazinhos, na formação do caráter, desenvolvendo a sensibilidade, aguçando principalmente partes do cérebro que comumente não usamos.
A educação dos Caiowás, não será destinada à produção, a obediência servil como vinha acontecendo conosco, contudo será orientada ao pensar, a criar, a realizar. Na matemática ninguém mais aprenderá fórmulas sem saber qual o uso, mas será aplicada com problemas reais a serem resolvidos não numa sala de aula, mas nos locais onde devem ser solucionados, como na cozinha da Dona Dinha calculando a quantidade de ingredientes  nos alimentos segundo determinado número de pessoas, no campo junto aos lavradores calculando o espaçamento das árvores segundo a espécie e segundo a área a ser utilizada, assim como, nas curvas de nível. Nas construções calculando a área e a quantidade e mistura dos elementos na edificação do prédio, Enfim, na serralheria, marcenaria, nos projetos da cidade, lá estarão os Caiowazinhos participando. Na ciência estarão plantando, observando o  crescimento extraindo resultados, observando insetos e animais relacionado-os sua importância no ecossistema do planeta.
Serão educados com relação ao respeito e fraternidade entre as pessoas, como planejar a vida dos filhos e agir no casamento, com relação â religiosidade interior, ou seja, a ligação do seu íntimo com o universo - conhecerão os ensinamentos dos vários mestres da humanidade. Começarão desde cedo a realizar tarefas em todas as áreas de atividade da cidade, inclusive com a Doutora tratando de doentes, com o Demétrio conhecendo, plantando e manipulando ervas. Como fazer um bom prato, lavar melhor a louça, tirar manchas, costurar, fazer calçados com solas de pneu e couro duro e assim será.

Aproveitando a pausa, Janaína, uma adolescente que apresentava capacidades extraordinárias  desde pequenina ao pintar quadros com extrema precisão mostrando pessoas e lugares maravilhosos de outras dimensões e a medida que crescia passou a escrever poemas e ultimamente tocava e compunha canções delicadas e relaxantes pôs-se a falar:

--Nesta era na qual nos interiorizamos para encontrar harmonia, somos o poder que andávamos procurando. Cada um de nós está totalmente ligado com o Universo e com a vida.
Somos uma comunidade de seres espiritualizados se unindo para repartir, aumentar e irradiar nossas energias para o planeta que sempre fora um paraíso presenteado pelo Criador .
Cada um de nós é livre para realizar atividades particulares, mas unidos melhor contribuímos para que os desejos de todos se cumpram com maior eficácia. Vejo-os guiados a formar um céu na Terra, com todos ansiando provar que esse céu pode ser feito aqui e agora. Vivemos em harmonia, cultivando amor e paz, expressando a Fonte Divina em nosso modo de viver. Criamos uma comunidade onde, em verdade, a realização mais importante é fornecer alimentos para o crescimento da alma. Temos o tempo suficiente para a expressão criativa em todas as áreas de nossos afazeres, pois aqui na vila gerada por nós, não existe a preocupação com dinheiro e trabalho árduo e o tempo é imenso. Todas as nossas necessidades são realizadas por intermédio do que nossa alma expressa, ou seja, do poder interior que cada um de nós tem. Portanto, o ensino é um processo no qual faz-nos relembrar ou põe à tona, o que já possuíamos interiormente uma vez que somos seres perfeitos, reflexos do Criador. O mundo do futuro está sendo criado aqui e agora. E assim será!

Esta fala provocou segundos de silêncio de extrema emoção para assimilar a intensa satisfação que envolvia os presentes.

A educação era outra etapa da sustentabilidade. Portanto, o reinício dos estudos realizava mais uma esperança dos Caiowás.
  
NOVAS HABITAÇÕES
Manolo, Benedito e companheiros, projetavam, experimentavam e reprojetavam  um novo barco com motor.
O bairro oferecia subsídios abundantes para as construções, existia uma serraria com imensa quantidade de madeira, mais dois depósitos com madeira estocada. duas marcenarias, duas serralherias, uma fábrica de lajes e postes de concreto  com muito ferro e areia estocados, um depósito de material usado de construção fábrica de concreto e duas indústrias químicas. Além dessas fábricas que forneciam bom material para a construção havia ainda, uma fábrica de piscinas com algumas prontas no pátio, confecções de roupas com estoques de tecidos, Enfim, tinham material suficiente e com requinte para fazer inúmeras tarefas, exceto tijolos e telhas.
A lavoura, naqueles dias, já  não exigia tantas pessoas como no início. Então uma pequena parte de lavradores passou a ajudar os pedreiros e carpinteiros.
A primeira edificação não usou, portas e janelas do depósito de material usado porque não teria janelas com vidros suficientes para todas as casas a serem construídas.
A casa terminada tinha um aspecto de chalé, porém com detalhes que a aproximavam de um verdadeiro sonho. A porta de entrada não tinha os batentes retos, pois foi feita de troncos com ligeiras curvas, muito bem cortados e envernizados e a porta acompanhando as curvas. Em cima da porta havia um detalhe em terracota branca feito pelo Pompeu simbolizando uma mandala. As paredes eram de pau a pique grossas, bem acabadas, com saliências provocadas artesanalmente pelo pedreiro a fim de dar um aspecto bonito e diferenciado. Era pintada de azul céu a fim de contrastar com o verde e o jardim no exterior. Na cozinha havia uma árvore cortada há muito tempo, cuja raiz ainda  fincada no chão aproveitaram para colocar uma tampa de madeira e fazer assim uma mesa rústica e original cercada de banquinhos cujos assentos eram troncos cortados. Nas paredes em todos os cômodos estavam incrustadas garrafas de vidros de cores variadas de modo a deixar passar a luz de uma forma agradável  colorida e original. Com exceção dos quartos, todos os ambientes tinham no teto fundos de  garrafas pets com água que ultrapassavam  o forro para o telhado causando enorme  e gostosa iluminação. As janelas eram grandes, semelhantes àquelas das casas coloniais que antigamente se fechavam com travas.
A sala apresentava na parede uma figura saliente em terracota colorida de uma baiana segurando uma bandeja de quitutes e a bandeja se sobressaia um pouco mais a fim de poder ser usada como uma estante, no teto um círculo de luz provocado por oito garrafas pet verdes e brancas  com água. O círculo de garrafas tinha uma corrente no centro que despencava do teto segurando um exuberante vaso de samambaias. A cozinha e a sala apresentavam pequenas aprofundamentos feitos propositadamente em lugares estratégico na parede  para comportar vasos de garrafas pintadinhas com flores e potinhos de vidro reciclado artesanalmente confeccionados para temperos, açúcar e sal. O piso da casa era feito de caquinhos intencionalmente organizados de forma a mostrar criativos mosaicos.
O box do chuveiro era um pouco mais alto do que a privada de modo a fazer a água do banho escorrer para um reservatório de água da privada que cujos dejetos eram desviados para o biodigestor. Num espaço acoplado à cozinha havia o fogão a lenha com forno, gavetinhas para tirar a cinza e grelhas para assados. A água da pia era canalizada por canos de modo a regar automaticamente a horta e os jardins. As telhas eram feitas de madeira impermeabilizada no estilo americano e pintadas de cerâmica quase branca. A moradia possuía aquecedor solar feito de material reciclado e, era volteada por um chão de rústicas pedras beges.

As pessoas estavam satisfeitas, pois as metas de sobrevivência estavam para serem completadas com requintes inesperados de capricho.
Wagner, Manolo e Benedito tinham adaptado no barco uma moto triciclo deixada no bairro, ficou lindo com aquele acento confortável de moto, mas não deu certo, a frente do barco levantava com o peso na traseira de um motor Volkswagem.  Então resolveram trocá-lo por um motor 125 cc de uma bis abandonada no cataclismo.
Deu certo e agora podiam fazer viagens mais longas com o barco.
A construção de moradias transcorria a pleno vapor. A colheita de cereais e de oleaginosas estava prestes a acontecer. Na casa da Dona Dinha estavam fazendo um biodigestor bem maior por causa da atividade intensa e do volume de dejetos e material orgânico que seus quitutes dispensava. O gás metano produzido por esse biodigestor será usado para manter o frízer funcionando, pois guardavam muita carne para sua cozinha e para a população.

A VIDA E A MORTE
A Lua no Calendário da Paz designava o momento de se dedicar às reflexões sobre a vida e a morte. A Dra. Marilena explicava detalhes de como deviam pensar no assunto e Pompeu discorria sobre a necessidade do viver de novo dizendo:

--“Ninguém entrará no reino dos céus se não nascer de novo” disse nosso grande mestre Jesus. Assim ele ia esclarecendo sobre a justiça Divina ao permitir que os espíritos continuassem a reencarnar para continuar sua jornada rumo às paragens angelicais onde viviam os espíritos de alta sabedoria.

Às vezes ironizava provocando gargalhadas:
--Eu não quero morrer e ir para o paraíso! Viver deitado numa rede, tomando suco de canudinho, ouvindo o cantar de hinos evangélicos, escutando frivolidades de gente que não tem nada a dizer, adorando “Deus” (fazendo sinal de aspas com as mãos) interraptamente. Isso seria uma prisão. Viver eternamente sem realização nenhuma? Eu quero é rock, quero vida...
Deus me livre, eu morreria no paraíso se assim fosse!
Outras ocasiões ele comentava que os espíritos avarentos, ligados a matéria permaneciam longos anos ligados aos seus bens na terra após seu falecimento. Dizia que não existe um lugar específico para um céu e um inferno, demonstrando que esse pensamento era um paradoxo por não estar de acordo com a justiça e o amor do Criador.
--Os espíritos depois que desencarnam vivem naquilo que criaram para si próprios, convivem com aqueles que lhe são afins em gostos e pensamentos.  Não seria justo que um estudioso tivesse que conviver com um preguiçoso, um alcoólatra com um abstêmio, um violento com um pacífico, gananciosos com desprendidos.
Quem acreditava que iria dormir até o juízo final ficaria realmente dormindo por tempo indefinido até descobrir que não devia ser nada disso.
Seria mais lógico e de acordo com a continuidade da evolução humana que no mundo espiritual existam nobres tarefas de ajuda atendendo às almas menos esclarecidas e pessoas encarnadas necessitadas de inspiração para resolver seus problemas.
A vida espiritual e a vida material deve ser uma continuidade ininterrupta de realizações, os espíritos desencarnados são como uma força debruçada sobre os espíritos encarnados, havendo correntes de pensamentos a influenciar ambos os lados. Influências estas, boas e ruins segundo as afinidades.
E assim, Pompeu ia prendendo as atenções do público com esclarecimentos bastante aceitáveis pela razão humana. Ora um palestrante falava, ora outro de modo a trazer bom entendimento a respeito da vida e da morte.

A COLHEITA
A colheita começa e muitos Caiowás executando outras tarefas voltam a ajudar na lavoura. Os carroções trazem a cana da lavoura para o engenho e retornam com o bagaço para novamente adubar a terra. Adolescentes colaboram raspando a cana deixando-a bem branquinha para a moagem.
Outros colhem milho, soja, feijão e amendoim, o carroção e a charrete também estão empenhados com essa turma.
Quanto ao engenho, “os engenheiros”, acharam mais simples movê-lo com mulas, como antigamente faziam no Brasil..
A diferença era que nosso engenho tinha tripla finalidade, exigindo, pelo menos dois andares, as mulas ficavam em cima movendo a roda, a cana enfiada nas engrenagens produzia a garapa que através de cano caia numa peneira em pavimento inferior anexo e depois passava a um reservatório. O produto do reservatório era fervido em tachos e se a fervura fosse tirada rapidamente era coada e tinha-se o melaço, sendo refervida novamente até determinado ponto coavam de novo, colocavam em forminha e obtia-se a rapadura, quanto mais ferviam mais duro e branco ficava o caldo que coado mais vezes transformava-se no açúcar mascavo.  O bagaço de cana era posto num escorregador podendo cair diretamente no carroção. Quando chegava amendoim para produção de óleo usava-se a mesma moenda só que no andar inferior, onde uma peça grande e grossa de madeira, em forma de broca, esmagava a semente até extrair-lhe o óleo, a sobra era guardada para pasta de amendoim ou outras guloseimas. A farinha que não podia ser produzida ao mesmo tempo, pois deviam limpar e secar a prensa, passava pelo mesmo processo e depois caia numa pedra reta sob um eixo que movia duas rodas pesadas girando sobre os restos de grãos amassando-os a ponto de virarem finalmente um pó de farinha.

A COMEMORAÇÃO
Era justo que naquela noite fizessem uma grande festa, pois estavam gratos ao universo e a abençoada terra que prodigalizava retribuindo o cuidado e respeito que os Caiowás lhe dedicavam.
Naquela noite, excepcionalmente fizeram a fogueira dentro do grande depósito de bebidas. Pois, chegara um piano pequeno, destes sem cauda, que não podia ficar na rua e ser movido, além do que puseram caixas de bebida em volta de mesas improvisada com as tais caixas. Dona Dinha tinha preparado paçoquinha de pilão, balinha de rapadura mole, pãezinhos com pasta de amendoim, curaus e bananada feita com açúcar mascavo. Frutas saborosas adornavam as mesas num arranjo com folhas  e flores.
Assim que chegaram os ditos “engenheiros” (construtores do engenho), ouviu-se prolongada salva de palmas.
Um grupo de jovens tinha preparado um belo espetáculo que ficaria na história da vila para sempre. “Acontece que a música começara a vir de fora do salão com a Du executando Cio da Terra” ao violino num arranjo mais erudito, depois entrou Janaína com uma flauta e o inesperado era o Valmir sentando ao piano para acompanhá-las, a música foi se transformando gradativamente de um clássico num sertanejo quando duas adolescentes entraram no recinto com violões, as pessoas emocionadas acompanhavam cantando, a mesma música foi novamente alterando o ritmo para uma forma totalmente original quando adentraram ao recinto mais três jovens tocando berimbaus e antes do término os sons dos tocadores de timba, chocalho e reco-reco começaram a ser ouvidos .Em seguida interpretaram “Por que não falaram das flores” de Geraldo Vandré, `”Imagine” de John Lennon, cantada em português pela Janaína, depois veio “Epitáfio” dos Titãs, “ Goiabada cascão” e outras cujo povo dançava e cantava junto.
De repente, um silêncio premeditava um novo acontecimento, no escuro do fundo do salão uma voz grave começou a cantar baixinho uma música desconhecida.
--É o “veio”! gritou o rapaz na platéia.
Um coral  o acompanhou cantando, depois veio a sequência musical

Eh Saruê...
Eh Saruá...

Eu canto pra moça na janela,
Eu canto pra mágoa espantá,
A música é meu documento,
Eu venho das terras de lá,
Adonde nasce o vento.


Eh Saruê...
Eh Saruá...

Eu canto pro povo encantá,
Eu falo dos bons sentimentos,
Da vida em todo lugar

Eh Saruê...
Eh Saruá...

Poemas são feitos pra Amar,
Faço versos pra moça e o Luar
Em prosa eu quero contá,
Do povo, da vila, do Caiowá.

Eh Saruê...
Eh Saruá...

Faço rimas pra musa e pro mar,
Eu canto pros males curá,
Poemas pra muito te amar.
Histórias eu quero contá,
Do homem da lida,
Da vida em todo lugar.


Eh Saruê...
Eh Saruá...

No final o rapaz  desdentado gritou:

--É “VÉIO” O SENHOR ESTÁ COM “NÓIS”!

Palmas, risadas e algazarra se sucederam. Ninguém podia imaginar o Pompeu compondo, muito menos cantando e ainda por cima uma moda de viola que não era seu hábito.

O TEMPO PASSAVA
A vila se transformava, as ruas tinham cheiro de cidade nova, de tinta fresca, de relva molhada, de flores cheirosas. As crianças e adolescente amadureciam depressa com a nova educação e a participação efetiva nas realizações da comunidade. Sons musicais de estudantes eclodiam no ar. A festa começava cedo com o Sol regendo a orquestra da vida. As casas estavam lindas. Uma gente moça instalava calhas no maior complexo fabril para captar água da chuva para as cisternas que alimentariam as piscinas instaladas no enorme centro comunitário (antiga fábrica). Uma grande massa de pessoas cavava uma vala bem no centro da Avenida Fraternidade – antiga Av. Donguinha Mercadante. O córrego destinar-se-ia a escoar todas as águas do bairro de modo a deixar a vila bem sequinha evitando acúmulos de água aqui e acolá em tempos de chuva. No fim da avenida onde já existia uma depressão natural no terreno, com o despejo das águas desta vala, formar-se-ia um grande lago para atrair aves aquáticas e peixes de água doce. Conforme a obra ia ficando pronta, meninos e meninas iam plantando paineiras a fim de combinar com a mesma cor a aparência desta avenida na época da florada. Outras ruas já tinham ganhado arborização, umas inteiramente de Ipês amarelos e outras com floradas que variavam de modo a dar a cada rua sua cor específica. Vários moinhos de vento destinados a trazer pequena iluminação as casas a noite, traziam sutilmente para os ouvidos as vozes do ar.

A CONFISSÃO
Certa noite o Senhor Pompeu resolveu falar de seus anseios passados:

--Nos primeiros dias após o cataclismo, refletindo na necessidade de sobrevivência arquitetei muita coisa realizada em nossa vila, a maioria  delas foram surpresas que o tempo acrescentou. Confesso que cheguei a pensar, já que não devíamos usar mais o dinheiro, em criar um bônus ou mérito distribuído igualmente entre os Caiowás de hoje para adquirirem tudo o que precisassem. Mas o universo planejava diferente e o nome imaginado para esse bônus tornou-se o nome da nossa família “Caiowás”. Tornamo-nos uma família!
Não imaginava adotarmos o Calendário da Paz que nos tem trazido desprendimento e uma outra dimensão a qual desconhecíamos.
É difícil expressar a idéia!
Só sei que as coisas foram tomando outro rumo, que tenho certeza, está bem melhor do que cogitara. Então coloco este pensamento para ser apreciado pelos irmãos amigos.
Alguém retrucou:
--- Óia veio, se lembra de mim quando disse pro senhor ficá pensando e recolhendo suas traias?
O senhor pensou tudo de bonito pra nóis, nem faltou nada!
Antigamente eu saia no escuro e chegava no escuro, dava duro no corte de cana queimada, almoçava uma panela fria de arroz com um ovo no meio, voltava pra casa sujo que nem um lixo, pagava um aluguel de um barraco pequeno e feio, coberto com uma teia fininha e furada que a gente precisava por balde no chão em tempo de chuva. E a cerca então, dava nojo, eram restos de pedaços de madeira meio podre e preta, amarrada com arame que a gente nem tinha ânimo de arrumar. O vazio no coração só fazia a gente bebe que era a coisa mais barata que se tinha.
Agora seu Pompeu, eu acordo de manhã no céu, numa casa bonita que dá gosto de vê, com aquelas luzes brilhantes nas paredes, no teto.. .Lavo o rosto com água morninha saindo da torneira, as coisas tão sempre arrumadinhas naqueles espaços que as paredes tem, pego água na pia da cozinha pro café já quase fervendo porque a água da pia passa também pelos canos de ferro de cima do fogão a lenha, se quero verdura é só pegar no quintal, se preciso de pão, leite, café açucar, carne e até lenha é só vim aqui buscar de graça. Incrível!  Inclusive  roupa e calçado eu pego aqui. Agora com esse negócio de construção de lavanderia comunitária que vocês estão pensado em fazer, sei que nem vou precisar mais lavar roupa.
Eu estou no céu seu Pompeu! Não sei o que a doutora e os empresários pensam, porque já viviam no bem bom, mas eu digo não! Não quero, bônus ou mérito, nada... Nada disto!

O Senhor Pompeu emocionado, ficou parado quieto um tempão, sem se mexer para conter o choro, depois correu a abraçar o rapaz chamando-o pelo nome. Disse:
--Obrigado João.
Continuando abraçado ao rapaz banguela, chorou, chorou copiosamente, chorou de soluçar, chorou como nunca antes havia chorado,.
Você é o que eu mais esperava ver nesse mundo novo, obrigado, obrigado, obrigado João. Disse Pompeu.

Manolo toma a palavra.
--Confesso também que no início, meu desespero não encontrava saída, por isso fiz logo os arados me apegando a eles como se fossem meu caminho da salvação para novos negócios, mas os afazeres subsequentes, a oportunidade de criar coisas nunca antes inventadas, ver  a serventia daquilo, sentir a satisfação por tê-las construídas, foram me levando a um sentimento e uma percepção de vida mostrando a mim que participação solidária  é viver e um viver ainda mais fascinante do que aquele modo de vida exaustivo e competitivo pela subsistência. Hoje me sinto mais rico do que ontem, não fico ansioso para que os negócios dêem certo, mas feliz porque sou necessário para a vila. Além de tudo, para que querer  algo mais se recebo tudo o que necessito como o João e se me faltar ferro para ter o que fazer, o Wagner e todos farão tudo para buscá-lo. Tem vida melhor do que esta?

Dra. Marlene dá o seu depoimento:
--No início, o trabalho me afastava das amarguras, me apegava a ele como se fosse um pequeno remédio ministrado dia a dia, gota a gota para desfazer-me das tristezas, depois comecei a perceber que não era mais médica, mas uma médica pesquisadora, isto trazia mais realidade e objetividade para o meu trabalho. Agora, nada pode me tirar a satisfação de criar e observar o resultado bem mais conclusivo em meus pacientes. Essa oportunidade valoriza tanto a minha profissão que não haverá dinheiro nenhum no mundo que pague meu prazer de viver essa experiência. Além de tudo, as pessoas me escutam, respeitam coisa que nos hospitais por mais que você se dedicasse acabava recebendo desconfianças e os pacientes não acreditavam no efeito dos remédios que eu receitava.
Outra coisa que desejo fazê-los saber é que a vida sem poluição, agrotóxicos, hormônios aplicados nos animais e os alimentos sem aditivos químicos, como os que comemos hoje causaram a diminuição das doenças e consequentemente  ficou mais fácil tratá-las. Os tratamentos agora  tem resultados mais consistentes  e sem efeitos colaterais. Outra coisa boa é nossa vida sem relógio, sem exigências e apelos à ordem, sem competição. Esta maneira de viver acabou com a ansiedade causadora de inúmeros males. Enfim, como dizia o poeta: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” e que assim seja.  

Enfim, todos tinham motivos para que a vida na Vila dos Botocudos assim continuasse.
No final da noite, Pompeu abraçava todo mundo, fazendo recomendações, beijava profundamente os netos e filhas dizendo palavras carinhosas, apertava e beijava intensamente sua amada.
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A MORTE
Em meio a multidão entristecida, Dona Joana Caiowá Felipeti contava:
---Só eu percebia que meu guerreiro era o mais puro exemplo dos pássaros no céu como Jesus dizia: “Olhai os pássaros no céu, os lírios do campo...” “Eles não ceifam, não juntam, no entanto Deus os provê...”
Sabe, ele tinha uma cicatriz enorme no peito, aconteceu nos tempos da ditadura no Brasil, quando um soldado vinha na disparada montado num cavalo girando uma espada no ar de modo que idosas caiam, as pessoas se juntavam no canto das paredes apavoradas tentando desviar daquele louco e ele, enfurecido, ficou parado sozinho na frente do cavalo com a intenção de fazer o cavaleiro parar, o resultado foi que a espada cortou-lhe o mamilo.
Mas, isso não o fez desistir da luta, passou a desenhar e escrever panfletos abominando a  ditadura, contra o arrocho salarial e a favor da anistia para grupos de militantes, havia um encontro no Largo São Francisco pela anistia, contra a ditadura. Eu era do interior morando em São Paulo e, não conhecendo nada,  me perguntava o que faria se meu marido morresse, fiquei com muito medo, pois percebíamos que ele estava sendo perseguido pelos agentes da ditadura, se fosse preso eu ficaria só. Pedi-lhe que não fosse ao encontro e ele aceitou. Só sabemos que todos os companheiros militantes sumiram.
Após a anistia pertencíamos a um  grupo daqueles que propunham a volta ao campo, queríamos como dizia  a música da época: “Uma casa no campo...” “Ter meus livros, meus, discos, criar filhos de cuca legal e nada mais...”
No campo, criávamos abelhas e plantávamos hortaliças, mas era calmo demais para uma alma tão irrequieta.  Só sei que ao longo da vida ele, foi criando escolas, bibliotecas, centros de ajuda á necessitados, jornais com poesia, filosofia e crítica social que incomodava muita gente.
Sempre fomos pobres, pois ele não pensava nunca em negócio, riqueza, trocava constantemente as distrações e os lucros por estudos, idéias e ideais,  às vezes emendava dias estudando e escrevendo, fazendo jornais a noite inteira. E quando as contas estavam para vencer ou ia começar faltar alimento, dava sempre um jeito. Tínhamos um segredo que só nós dois  sabíamos e  não o relávamos a ninguém  para não sermos enganados porque como ele ajudava muita gente, os espíritos de vez em quando, lhe transmitiam instruções chamando-o pelo nome de Laochra – um nome celta, talvez irlandês e era esse nome um segredo no qual identificávamos se a comunicação vinha mesmo de espíritos.
Enfim, ele era como um lindo pássaro a viver no céu, cujo Criador o alimentava, assim como a nós que o apoiávamos.
Minha vida teria sido insignificante e vazia sem esse louco fascinante que amarei pela eternidade.
A Vila vestia luto, não na roupa, mas na alma e depois de 70 horas do falecimento os Caiowás  assistiram o barco distante se incendiando no meio das águas com o corpo de Pompeu Caiowá Felipeti.
Cinco dias se passaram e o povo perdeu mais um anjo. Desta vez fora Joana Caiowá Felipeti que como os celtas, era cremada nas águas que rodeavam a ilha da Vila dos Botocudos.

A VIDA NA COMUNIDADE
Lá na vila o tempo tem outra dimensão, os caiowás despertam com a  luz do Sol, praticam meditação e exercícios destes que sublimam o espírito e reforça o corpo, cuidam de suas casas, flores e hortaliças, varrem a rua, almoçam e só depois vão para as realizações em comunidade, fazendo o que é preciso. À tarde banham-se no lago e â noite.  Ah! A noite como é bela... Dançam, cantam,  brincam e palestram.

Era de conhecimento geral na Vila dos Botocudos que quando um Caiwoá se encontrasse em apuros aparecia um casal de velhos anjos para ajudá-lo.

Rubens Prata



OBS:  1 – Sobre o Calendário da Paz, pode ser encontrado em vários sites no Google.
2 – Sobre o significa de “Laochra”. Bom, tentem descobrir!
* Igapeba – jangada feita por índios, (jangada de remos)

28 de dezembro de 2012

MARIAS SEM VERGONHA



Apesar da falta de trato,
As flores da calçada
Insistem em brotar
Não dando bolas ao fato.

Cada uma de braços dados ao seu próprio galho.
São Marias sem vergonha que se embriagam
Na carícia do orvalho,
 No acalento do Sol,
Nas festas das chuvas de março.
Mas apesar de serem sem vergonha,
Até não muito bem quistas,
São exemplo de vida e conquista.
Pois resplandecem em terra fraca,
Em qualquer época do ano
Superando as pedras do caminho
Melhor do que qualquer ser humano.
São mulheres de nome Maria,
Que mesmo sem nenhum cuidado,
Vivem em eterna alegria
Enchendo a calçada de cor e fantasia.


Rubens Prata

SE EU QUISER FALAR COM DEUS




Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ter as mãos vazias
A alma cheia
O coração aberto

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que buscar o desconhecido
Bater à porta
Vencer na vida a batalha pedida

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que sorrir de mim mesmo
Fazer só o que gosto
Viver com alegria

Se eu quiser falar com Deus
Não posso ter mais do que preciso
Devo perdoar os inimigos
Até estender-lhes a mão se preciso

Se eu quiser falar com Deus
Devo cultivar meus amigos
Saber que o universo conspira a nosso favor
Celebrar à vida com vinho tinto

Se eu quiser falar com Deus
Devo fazer frutificar meus dons
Fazendo render cem por um
Encantar o mundo com talento

Seu eu quiser falar com Deus
Não posso ter religião
Mas burilar em mim a religiosidade
Nascer mil vezes de novo
Amar, amar, amar...

Rubens Prata

COISA DE VELHO



Sim, estou velho, até meio debilitado.
Mas – o caminhão – nas costas,
Carrego pesado.
Mês que vem... Valha-me Deus!
IPVA, consulta da velha, exame, remédio, IPTU,
Tomate cru.

A rotina, é minha sina,
Não aprendi a vadiar,
O tempo passa,
Só sei trabalhar, trabalhar, trabalhar.

Velho... Não tem graça,
Poucas lembranças retidas,
Histórias de muita desgraça,
Enormes vontades detidas.

Velho como eu, só tem que ficar quieto,
A quem interessa?
Tantos amigos perdidos,
Tanta aventura vivida,
Tantos vexames escondidos,
Tanta tristeza sentida,

Minha velhice se nota no corpo.
Mas na alma...
Ah! Na alma...
Tem um menino curioso,
Estudioso, a fim de tudo
O que na vida é gostoso.

Rubens Prata

OS FILHOS DO SOL














E a Terra era de todos
Não havia cercas
Nem propriedades  privadas
Não tinham chefes, nem subalternos
A casa era de todos
E todos podiam viver na casa
Cantavam e dançavam todos os dias
Num ritmo perfeitamente sincronizado
No som dos pés batendo na terra
No bater do coração
No pulsar das estrelas
Na respiração da Gaia,

TUM TUM, TUM TUM, TUM TUM...

Seus filhos eram presentes preciosos da Criação
A serem tratados com cuidado e todo carinho
Eram educados pelos pais, avós, tios, a comunidade
E nunca apanhavam ou eram mal tratados
Sabiam escutar a Terra, as águas, o universo
O planeta era eles,
Eles o planeta
O planeta era universo
O universo era eles
A sintonia era perfeita
Tão natural quanto o respirar.

TUM TUM, TUM TUM, TUM TUM...

Eles inventaram a rede
Para o ócio, o deleite, o sexo
Os sonhos eram vivências verdadeiras e diárias
Na dimensão do espírito.
Não tinham ganância
Não sofriam de estresse
Respeitavam a Terra
E a Terra retribuía em abundância.
Daí chegou os homens “civilizados”
Trazendo doenças, venenos
Catequese, civilização
E os Filhos do Sol...

TUM TUM, TUM TUM, TUM TUM,,
TUM TUM, TUM, TUM TUM, TUM,TUM...

Rubens Prata

VOU VADIAR




Ah, Ãh, Tchi, Tchi.
 Ah, Ãh, Tchi, Tchi.
 Ah, Ãh, Tchi, Tchi.

Hoje é quarta feira,
Do trabalho não quero nem saber.
Não vou fazer besteira,
Só quero sair com você.

Vou nadar na represa,
Dançar com alegria,
Viver a natureza
E a beleza deste dia.

Ah, Ãh, Tchi, Tchi.
 Ah, Ãh, Tchi, Tchi.
 Ah, Ãh, Tchi, Tchi

Hoje é quarta feira,
Não quero nenhum compromisso.
Crianças, escola, contas,
Vou ficar longe disso.

Não tem nenhum problema,
Desligo o celular,
Já está tudo no esquema,
Hoje eu vou vadiar.

Ah, Ãh, Tchi, Tchi.
 Ah, Ãh, Tchi, Tchi.
 Ah, Ãh, Tchi, Tchi.

Rubens Prata
(musiquinha baseada no som que meu neto Augusto faz com a boca)

Marcha soldado,
 cabeça de papel,
se não bater no pobre,
vai preso pro quartel...
R. Prata