VILA DOS BOTOCUDOS
Primeira parte
O CATACLISMO MUNDIAL E A FAMÍLIA DE POMPEU
Os jornais televisivos tinham matérias em abundância,
revoltas por todo o planeta, desemprego em massa, miséria, saques a
supermercados e caminhoneiros. Nos países frios as pessoas queimavam os móveis,
fios de eletricidade e estátuas de metal eram roubados por toda a Europa. Os
governos daqui e dali fazendo planos cada um mais insustentável do que outro.
Atentados por toda parte. Aquele mundo, do jeito que conhecíamos estava para
desmoronar.
A mídia, comprometida com as corporações que a
sustentavam como sempre, mostravam notícias superficialmente não indo ao cerne
da questão. Mesmo assim, grande parte da população já se inteirava que por trás
dos bancos centrais do mundo inteiro, estavam camuflados os banqueiros –
principais criadores de desgraças pelo mundo inteiro e cujos governos, a
séculos financiados e manipulados por eles, jamais elaborariam uma plano de
metas sustentável.
Como se não bastasse, aquelas explosões no Sol, influenciando
o clima da Terra juntamente com a indiferença das grandes corporações poluindo
tudo e arrasando a natureza, alteraram o clima de tal modo que a situação
ficara insustentável. As pessoas perderam a noção de quando e como plantar, a
água diminuíra e o que restava ficara contaminada.
Enquanto os fatos transcorriam, Pompeu prevenindo-se,
pelo noticiário, pela fé e intuição,
fortaleceu o telhado colocando calhas
para recolher a água da chuva, reforçara as fechaduras, comprou velas e
remédios para um bom tempo e no pequeno muro , único lugar a bater bem o Sol,
pendurara muitos vasos com hortaliças. Devido aos seus recursos escassos era o
máximo que poderia fazer naquela época.
Dias de trevas cobriram a Terra inteira. Pompeu
cerrara as portas e janelas de sua modesta morada. Fechou os cômodos da casa
que não possuíam um bom telhado e laje reforçada e juntou a família nos espaços mais
resistentes de sua moradia.
O vento uivando açoitava seu lar, com lixo,
pedrinhas, telhas e todo tipo de material. A luz fora cortada, parecia que
chovia relâmpagos e trovões ouviam-se carros, batidas, gritos desesperados,
gemidos, madeirais, pedras e telhas pipocando pelo asfalto. Algumas pessoas
desesperadas tentavam entrar em sua casa, causando um medo maior em todos. Pompeu ,
apesar de não possuir armas, ameaçava atirar em quem pusesse o pé lá dentro. No
interior da moradia, revezavam-se os choros, sustos e rezas. Racionavam velas,
água e alimentos. Pompeu não garantia que seriam salvos e nem deixava ninguém
abrir a porta, coisa que alguns desejavam. Ele só esclarecia que se tivessem
que morrer era porque não tinham mesmo como escapar.
Antes que a escuridão acabasse, todos os sons
terminaram. Parecia que no planeta não havia ser vivo nenhum. O silencio
era apavorante.
Depois de quatro dias de trevas o Sol mostrava-se
irradiando luz pelas frestas das portas e janelas. Foi um alívio, pois as velas
acabaram fazia algumas horas. A expectativa do desconhecido deixava a todos
apreensivos. As portas estavam emperradas e não se sabia se a casa estava
soterrada ou se ao abri-las despencariam uma inundação de barro e entulhos.
Pompeu destrancou as fechaduras e retirou os pinos
das dobradiças para poder abri-las. Assim que empurrou as portas uma quantidade
de lixo e entulhos precipitou-se sobre a soleira, mas o Sol estava de fato
esplendoroso. Aliás, nunca ninguém antes se encantara tanto com essa pequena
estrela e agradecera sinceramente pela existência desse maravilhoso astro.
Os cômodos não possuidores de laje caíram em parte, o
chão estava abarrotado de caibros, terra e telhas atrapalhando a passagem.
A curiosidade somada a emoção mantinham calados os
moradores daquele lar. Na rua, em meio ao cheiro de carne em putrefação
apareciam uma ou outra pessoa igualmente
apreensiva. Havia carros batidos e mergulhados na lama, Os fios de eletricidade
tinham caído juntamente com muitas árvores, as casas que se manteram em pé,
estavam descobertas e a maioria desmoronara. O lixo e entulho esparramado por
todo o lado, a lama preta e fétida tingiam a paisagem.
MORTOS E SOBREVIVENTES
Os sobreviventes se avolumavam na Avenida de entrada
do bairro, onde havia inúmeras fábricas e o terreno estava mais limpo de
entulhos já que a Avenida era bastante larga. Apreensivos com o acontecido, não
tinham coragem de trocar muitas palavras, pois era como se devessem pêsames uns
aos outros porque todos tinham parentes e amigos mortos e outros não sabiam do
paradeiro de seus familiares.
Os poucos remanescentes só se deram conta que estavam
diante de um novo mundo quando perceberam que estavam numa ilha, bastante rasa
e ninguém viria para socorrê-los. O centro da cidade, que beirava o córrego do
Lajeado estava totalmente submerso sob um grande lago em torno de um bairro
bastante alto ao norte chamado costumeiramente de bairro alto. A sudeste, outro
bairro emergia sobre as águas num grande morro chamado de Brabância. O leito da
linha do trem transformara-se num rio relativamente raso e ao sul onde deveria ter uma represa a 18 km de distância havia encostado no bairro a
menos de 6 km
um grande e imenso mar com ondas que pareciam ameaçar sua rasa ilha do Jardim
Paineiras. Esse mar estava inclusive com a água salgada e não se via a outra
margem. A oeste nada mais se via senão água.
Pompeu lembrara algo que tinha dito algumas vezes:
-- Meu otimismo estava baseado na certeza que esta
civilização iria desmoronar.
Meu pessimismo ainda pode estar em tudo o que resta
dela para arrastar-nos em sua queda’’. E, em meio aos poucos sobreviventes,
Pompeu continuava:
--Creio que nossa principal tarefa no momento seja a
sobrevivência. Porém não desanimemos, pois estamos diante de um novo mundo que
será sem dúvida muito melhor. Mundo este, que nós próprios vamos construir. Sem
capitalismo, patrões e empregados, sem drogas, banqueiros e corruptos.
As pessoas chocadas com o acontecido, não se achavam
dispostas a dar corda ao discurso um pouco filosófico daquele velho gordo no
momento e, antes que continuasse, fora interrompido por Manolo possuidor de uma
pequena serralheria no bairro. Ele passou os dias da catástrofe junto com o
marceneiro Toninho que ao sair da marcenaria percebeu que não daria tempo de
chegar em casa, quando Manolo vendo-o na rua, chamou-o para ficarem juntos.
Manolo era uma pessoa religiosa, bem informada que
prestava atenção aos fatos e guardava na memória uma mensagem de Nossa Sra. de
Fátima a respeito do acontecido. Fazia tempos que ele vinha orientando a
família, como se esperasse uma grande catástrofe.
A única coisa que não pôde prever foi que não estaria
em casa na hora do cataclismo. A família
de Manolo morava no Bairro Alto e a do Toninho na Brabância – dois bairros que
não chegaram a ser destruídos totalmente, embora estivessem cercados de água por todos os lados Nessas
alturas a solidariedade sempre fala mais alto, logo alguém sugeriu e se
habilitou junto com os mais conhecidos a
construírem um barco com garrafas pet e assim fizeram sem medir esforço até
altas horas. O barco acabou ficando mais parecido com um desses barcos que
carrega carros, ou seja, um jangadão com garrafas em baixo e madeira em cima. Os remos foram
improvisados com tábuas serradas de modo a tomarem uma forma mais larga.
Partiram na igapeba* o construtor, Manolo, Toninho e
um funcionário público.
Enquanto isso, alguns grupos se propuseram a procurar
sobreviventes, outros atraídos por um relinchar ininterrupto de um cavalo se
dirigiram à uma espécie de feira agropecuária, cujo entorno, tinha muita lama
dificultando a caminhada do grupo disposto a achar o tal animal agitado, mas
valeu a pena, pois além do barulhento havia mais dois cavalos bem debilitados
nas baias, todos com as patas enfiadas na água, bodes, carneiros e aves empoleirados
no muros que cercava a exposição dos variados tipos de gado, cuja maioria
estava morto e alguns poucos ainda vivos embora bem abatidos com a metade do
corpo debaixo d’água. Levaram primeiro os três cavalos. Para depois voltarem
com mais gente para pegar o resto dos animais.
O pessoal decidido a encontrar sobreviventes,
constatou que a grande maioria dos habitantes do bairro estava morta, mas
tiveram a satisfação de salvar algumas pessoas. Umas vieram simplesmente amparadas,
outras, muito feridas, transportadas por carriolas. Acharam mais conveniente
abrigá-las na antiga APAE, um prédio quase intacto que possuía condições mais
apropriadas para alojar feridos.
Um fato notado nessa busca de sobreviventes era que,
traficantes, drogados, fanáticos, avarentos e toda gente parasita e
malevolente, tinham sido varridos da convivência daquela vila. Possivelmente
sua loucura e impaciência, as fizeram se expor com mais descuido à catástrofe.
DRA. MARILENA
Dra. Marilena estava profundamente abatida, pela
certeza de ter perdido seus familiares, pois morava na região central da cidade
a qual ficou totalmente debaixo d’água. Afinal era seu marido também médico, um
companheiro amigo de todas as horas que lhe faltava agora, além de dois filhos
que se encontravam na faculdade, que também não sobreviveram. Restava-lhe
apoiar-se na esperança de uma filha viva morando em Mato Grosso com o marido.
Apesar da dor a corroer sua alma, a minar-lhe todos
os ânimos, não se achava no direito de lamentar suas perdas, em meio a tantas
pessoas sofrendo, salvas talvez, para protagonizarem um novo começo para a humanidade.
Animava-lhe o notar a grande solidariedade ainda existente naquelas almas
feridas e, solidariedade era-lhe um sentimento muito peculiar, pois vinculava
as pessoas, independentemente de crença a causa do outro. Ou seja,
solidariedade é melhor que a caridade, pois não supõe que exista aquele que dá
e a humilhação do outro que recebe, pois nesse caso, todos são iguais.
Era preferível pensar que não foi por ironia do
destino, mas pela providência que a doutora fora salva, pois foi por ela ter visitado a nora do Sr. Nobre
acamada e impossibilitada de se locomover o motivo de sua salvação. Fato este,
bastante incomum nos médicos de então que tratavam a doença e não o paciente sem
nunca preocupar-se em visitá-los em casa.
Pois é, enquanto a Dra. Marilena atendia a paciente o
cataclismo começou e ela ficou impossibilitada de sair da casa do Sr. Nobre.
O Sr. Nobre era um pequeno empresário fabricante de
utensílios de gesso, cuja fabrica beirava o mar surgido no lado sul da ilha na
qual se tornara o Jardim Paineiras. Suas horas de folga eram dedicadas à
militância e afazeres num partido socialista. Era um homem desprendido, nem se
preocupava em salvar ferramentas de sua pequena empresa. Aliás, por longos anos
não foi visitá-la.
A CHEGADA DA NOITE
Mais uma vez a natureza, como fazia a milhares de
anos, presenteava a insensível raça humana com o mais esplendoroso colorido por
do Sol. O entardecer daquele dia propiciava novas esperanças, sugerindo uma
aliança de harmonia entre a mãe Gaia e a raça humana.
Pequenas fogueiras, aqui e acolá começaram a pipocar
na noite, uns repartiam mantimentos enquanto outros procuravam velas. Um senhor
aposentado que perdera a família inteira explicava e demonstrava na prática às
pessoas como, na sua juventude, fazia pequenas luminárias colocava água num
copo, cobria essa água com um pouquinho de óleo de cozinha, depois recortava
uma rolha de modo a fazê-la boiar no óleo, fazia um furinho na rolha para
passar um curto pedaço de barbante de modo a ficar parte mergulhada no óleo e
parte para cima da rolha, depois acendia o pavio de barbante. A luz era fraca,
mas valia.
A Dra. Marilena se propôs a pernoitar na APAE junto
com os feridos, foi acompanhada de uma agente de saúde que levava os últimos
remédios do posto de saúde do bairro, uma enfermeira e o Demétrio – o vendedor
de ervas naturais nas feiras de domingo.
Aqueles que tiveram as casas com risco de desabar
foram trazendo alguns pertences para pernoitar nas portarias das grandes
fábricas, outros desabrigados se alojaram dentro de algumas fábricas, os
moradores de outros bairros foram convidados e se juntarem, para que pudessem
ter um descanso.
Parece que a noite trás a tona com muito mais ênfase
os dramas e as dúvidas da alma humana. Provavelmente a falta da atividade a
distrair-nos coloque em evidência as amarguras de cada um de forma mais
contundente e a falta de resposta sobre o dia de amanhã se avoluma.
Refletiam os moradores da vila: como sobreviver, sem
trabalho, dinheiro, energia elétrica, água potável, alimentos disponíveis, empregos,
teriam algum parente distante que sobrevivesse a esse apocalipse? E se ficassem
doentes quem os socorreria?
Benedito, velho amigo de Pompeu, fora repousar na
casa do companheiro, tratava-se de um eletricista de maquinas e aparelhos, ‘expert’
em filosofia e professor de história. Abandonara as aulas por não concordar com
o sistema de ensino vigente que instruía os alunos para servir e não para
pensar. Benedito se coçava e se limpava a todo o momento, era um reflexo
daquilo que tinha passado nos últimos dias, escondido numa vala por onde
passava os fios de eletricidade da CEAGESP, teve de enfrentar uma enorme
quantidade de ratos que lá foram abrigar-se. Queimava fios de eletricidade
junto com alguns utensílios de escritório para espantar os ratos
continuadamente.
Era um cético e, se autodenominava realista, pois a
algumas semanas Pompeu pedira para ele ver uns vídeos no You Tub, falando de
Tesla – um homem que se propunha a retirar energia contínua e inesgotável da
ionosfera e distribuí-la diretamente para as casas sem uso de fios e outros
vídeos mostrando como montar pequenos aparelhos caseiros de produção de energia
contínua usando só o magnetismo, apresentava até veículos se movimentando com
essa energia. Na data, Benedito respondeu cético e grosso, ironizando a suposta
ingenuidade de Pompeu, dizendo que aquilo tudo era impossível, uma balela e,
que Pompeu deixasse de acreditar em teorias da conspiração veiculadas pela
internet.
Pompeu, pego de surpresa, não tinha uma resposta para
a ocasião, mas lembrou depois que não era a instrução acadêmica que fazia o ser
criar, inventar soluções, era o sonho.
O SONHO
Talvez, uma das únicas pessoas em paz com essa
situação era o Pompeu que desejava ter longos anos de vida para ver o renascer
de um novo mundo ainda nesta vida. Tinha certeza que o planeta, a existência do
homem não teria saída se não acontecesse um evento catastrófico obrigando a
humanidade a repensar a vida respeitando, sobretudo a Terra. Há tempos vinha
estudando e conhecendo os grupos que mais prejudicavam o planeta, como principalmente
os banqueiros, as corporações que não tinham escrúpulo nenhum ao envenenar a
terra, as águas, a saúde dos seres vivos, a indústria alimentícia com seus
milhares aditivos, o monopólio das sementes, os hormônios aplicados em animais,
a manipulação da mídia, o controle dos laboratórios farmacêuticos. Arquivava
tudo em seu computador que agora, sem energia, estava obsoleto.
Pois é, pensava ele: “Eram esses imbecis dos bancos,
das corporações e determinados políticos tentando nos convencer que uma simples
mudança em nossos hábitos seria suficiente para salvar o planeta de um
desastre. Enquanto nos culpavam e exigiam atitudes continuavam poluindo sem
cessar o ambiente e nosso espírito. Enquanto isso, os banqueiros criavam
artificialmente crises para arrancar cada vez mais dinheiro dos governos e
conseqüentemente tirando do povo o emprego, o pão de cada dia e as garantias
sociais.
.
UM NOVO AMANHECER
Sabe quando, a gente vai dormir com um grande
problema sem conseguir resolvê-lo e acorda no dia seguinte com o problema já meio solucionado. Pois assim aconteceu com
um punhado de gente na vila.
O Sol brindava o povo com novas e belíssimas cores
que iam variando com o passar dos minutos.
As pessoas instintivamente acorreram para a avenida
principal, mais larga e limpa. Portanto mais adequada para reunir pessoas.
Havia uma sensação de união no ar, um desejo de
resolver conjuntamente como iriam sobreviver sustentavelmente daquele dia em
diante.
Dona Dinha, uma senhora que vivia a fazer salgadinhos
para vender aos funcionários das fábricas, surpreendeu a todos na rua, dizia
ela que manteve o gelo em isopor até o dia anterior e fez durante a madrugada
sob a luz do fogão a lenha e muitos copos com óleo e a tal da rolha para
iluminar. É que sem o frezeer iria perder toda a carne explicou ela..
Pompeu aproveitou para chamar a atenção de todos para
as providências que deveriam tomar para sobreviverem daquele dia em diante.
--Gente! Andei pensando à noite sobre a primeira
coisa que devemos fazer será garantir juntos a sobrevivência de todos em primeiro lugar.
Sabemos que na CEAGESP tem enormes silos de soja e milho que poderemos usar e
plantar. Temos o poço artesiano que era
explorado pela Cia. de águas, nele só falta colocar um motor para gerar energia
a fim de bombear a água para fora, o posto de gasolina está logo ali na estrada
e os caminhões tanques aqui estacionados estão cheios de óleo diesel, gasolina
e álcool para movimentar esse e outros motores por longo tempo se precisarmos.
Tenho aqui meu amigo Benedito que precisa de um motor mais algum ajudante para
fazer funcionar a bomba. Além do mais, ainda há essas caixas d’águas enormes
das fábricas aqui em
volta. Portanto , água potável nós teremos. Outra coisa
importante será providenciar a limpeza das ruas e das casas, pois se deixarmos
assim poderemos contrair doenças. Um terceiro detalhe é que precisamos guardar
todo caroço de abacate e de manga, toda semente de fruta, qualquer rama de
mandioca, semente de legumes, inclusive de mamona para fazermos óleo combustível
e sabões futuramente. Não podemos desperdiçar absolutamente nada do pouco que
temos, inclusive latas e garrafas que poderão guardar sementes e mantimentos,
assim como, cascas de frutas, folhas e esterco para usar como adubo.
Estou meio velho talvez não consiga plantar com
matraca como na minha juventude, mas me
disponho a ir plantar com os agricultores, já que não tenho afazer mais
importante no momento.
Nesse ínterim, um jovem meio desdentado gritou em
meio a multidão:
--Ah! Que nada “veio”, deixa com a gente esse negócio
de plantar que “é nóis” que somos da lida. Fica aí pensando, orientando o
“pessoá” que vai ser muito “mió”. Aproveita vai tirando essas “traias” do seu
quintal que depois “nõis leva”.
A casa do Sr. Pompeu se tornou muito conhecida, pois
ficava na avenida principal bem de frente onde as pessoas se reuniam. E assim
foi feito, enquanto Pompeu com seus familiares limpavam o terreno, davam e
recebiam informações de todas as atividades ocorrendo em vários lugares.
Pompeu orientou as crianças pra juntarem sementes,
galhos o que se tornou uma brincadeira.
Durante o dia, chegavam ininterruptamente pelos lados
da ilha gravetos e galhos de arvores, inúmeras e variadas sementes de todo tipo
de planta, animais exaustos nadando como: quatis, cotias, raposas, cuícas,
capivaras, sapos, lagartos, gado e até um casal de antas que foi uma festa para
as crianças.
No meio do dia retornaram o Wagner (construtor do
barco improvisado), o funcionário público e
Sr. Manolo com o genro, a filha e o neto. A esposa morrera por um
colapso durante a calamidade. Toninho por sua vez, encontrou a esposa debaixo
de uma mesa coberta de entulhos com a filha. É que ao notar as paredes caindo,
no último dia da catástrofe a esposa correu para baixo da mesa com a filha e depois
não pode sair até Toninho chegar. Resolveram ficar por lá por mais três dias porque
a Margarida (esposa de Toninho) estava muito abalada e o marceneiro queria
juntar algumas ferramentas e mantimentos antes de virem para o Jardim
Paineiras.
Pompeu abraçou Manolo convidando-os para o almoço –
bastante simples para aquela ocasião, arroz, feijão, farinha e abobrinha,
convidou-ós para ficar na casa mas Manolo preferiu ficar na Serralheria com a
família.
Em conversa no almoço, Pompeu pôs a par os convidados
de tudo o que ocorrera na ilha enquanto estiveram fora e sugeriu ao Wagner (o
barqueiro) que tentasse ver se tinha alguma coisa aproveitável na outra CEAGESP,
no depósito da Secretaria de Agricultura e na fábrica beneficiadora de arroz
que ficavam no meio do caminho para a ilha da Brabância. Suscitou que deveria
ter lugares onde andariam a pé e outros que precisariam do barco.
Wagner confirmou: houve mesmo lugares onde tiveram
que carregar o barco e outros nos quais puderam navegar e estava até pensando
em adaptar grossas rodas de bicicleta nas laterais do barco para passar com
facilidade por esses lugares sem água.
Após o almoço Wagner saiu com o funcionário público
atrás de rodas para o barco, pois com ele carregado seria difícil empurrá-lo
nos terrenos sem água.
Manolo, que tinha trazido muitos alimentos não
perecíveis, partiu para sua serraria com
a família, enquanto a filha e o neto arrumavam o ambiente, ele e o genro
tiravam o motor do carro para fazer mais um gerador esperando contar com a
ajuda de Benedito (o eletricista).
OS DIAS TRANSCORREM
Parecia mesmo que o Universo conspirava a favor dos
sobreviventes, os dias eram lindos, ensolarados, com clima constante e mais
ameno, chovia ainda bastante durante as madrugadas.
Os habitantes pressentiam mudança no céu, não
conseguiam atinar se era a cor que tinha alterado, ou o ar estava diferente, só
concordavam que os dias eram mais brilhantes e coloridos.
O hábito de se reunirem todas as manhãs e tardes em
frente a casa de Pompeu, persistia.
O estoque de soja e milho da CEAGESP era enorme e
Dona Dinha passou a fazer pão e leite de soja todos os dias para a população da
ilha, o pão era uma espécie de pão de Cristo (a massa fermentava sozinha) e,
quando lhe arrumavam açúcar ou mel saía também alguns docinhos. Pompeu com a
família limparam também o terreno de Dona Dinha.
Toninho, depois de três dias, chegou com a esposa, a
filhinha e mais dois amigos, sua família se alojou na Serralheiria do Manolo e
os companheiros ficaram abrigados na grande fábrica junto com outros.
Benedito havia feito funcionar o motor para bombear
água do poço artesiano e ainda montou um gerador para o Manolo que aproveitando
a energia, construiu alguns arados para ser puxado por boi ou cavalo, em
seguida fez a armação para uma charrete com as rodas do próprio carro e Toninho
a parte de madeira. Com as 4 rodas do carro de Pompeu fez uma espécie de carroção
para ser puxado por cavalos
Wagner, assim que colocou as rodas na jangada, foi
procurar, com amigos, os mantimentos que estariam nos depósitos a caminho da
Brabância e a grande surpresa foi terem encontrado sacos de feijão e arroz embalados
com plásticos ainda intactos, cestas básicos montada para serem distribuídas
para fábricas e funcionários da prefeitura, sacarias de 60 kg de arroz com casca e
feijão na secretaria da agricultura. Muita coisa estava molhada, mas demorou
dias para trazerem o que estava intacto. E o que não estava preservado trouxe
também para plantar ou para servir como adubo orgânico. Uma das fábricas se
transformou no novo depósito de alimentos cuja distribuição era feita aos
moradores de tempos em tempos pela filha de Pompeu que também fornecia o pão de
soja, o leite de soja e o de vaca, bem como os galhos e gravetos para fogueiras.
A Charrete e o Carretão feitos pelo Manolo e companheiros
ganharam condutores que tinham tarefas ininterruptas diariamente.
Em virtude de um entendimento no qual os habitantes
não poderiam cortar árvores ou galhos, só podendo recolher os galhos
naturalmente caídos, adolescentes e crianças juntavam sementes, galhos e
gravetos em torno da ilha, o carroção buscava-os e deixava nos lugares pré-
determinados, bem como, transportava igualmente
o lixo orgânico para as plantações.
Pompeu ajudava no que podia ora como uma espécie de
secretário da vila, ora como ajudante para descarregar material e utensílios e
às vezes escolhendo lugares mais propícios para a plantação, criação de
animais, pois sempre orientava para a vila não se transformar numa grande
poluição visual. Segundo ele, tudo deveria ser bem pensado e planejado, de modo
que a vila se transformasse num lugar aprazível, saneada, limpa e milhares de
outros adjetivos que deveriam fazer da ilha o melhor lugar do mundo para viver.
Os dias transcorriam cheios de afazeres e, estando
todos sempre atarefados nas ruas,
aparentava que o lugar tinha mais movimento do que no tempo das fábricas
funcionando.
A solidariedade, somada as necessidades de
sobrevivência aproximava as pessoas. Portanto, todos se conheceram ficando cada
vez mais íntimos.
Assim, no dia a dia, aqueles que tinham medo de
perder o emprego iam percebendo que podiam continuar trabalhando sem a presença
de um patrão. Além de tudo, Dona Dinha, costumeiramente, reforçava em público o
privilégio da liberdade, argumentando:
--Éramos todos condicionados ao comportamento
produtivo pela organização do trabalho, e quando saíamos das fábricas,
conservávamos a mesma pele, a mesma cabeça sem nos apercebermos que o fruto de
qualquer trabalho não era da empresa, mas de nós próprios. Somos os que realmente
produzimos. Veja, saí do restaurante onde trabalhava ganhando uma merreca,
comecei com os salgados que me deram minha, casa, o carro que não vou usar mais
e tudo o que tenho. Pois é, (ironizou ela) o mundo já até acabou e eu continuo
fabricando meus alimentos e continua não me faltando nada.
Dona Dinha, quando falava despertava sempre uma risada
ou, pelo menos, a melhoria do humor no pessoal.
OS ENCONTROS
AO PÉ DA FOGUEIRA
E O CALENDÁRIO DA PAZ
Era exatamente lá, em frente a casa do Pompeu, o lugar
das pessoas buscarem, numa fábrica inativa, o pão da Dona Dinha e o leite diariamente
e também combinar os afazeres do dia
para que a vila pudesse ter sustentabilidade. Lá, ora Pompeu, ora o Sr. Nobre
tinham sempre sugestões alvissareiras para o dia, era também o lugar no qual
todo mundo se reunia a noite ao pé da fogueira. E se a chuva viesse, a fogueira
era feita assim mesmo debaixo de um gigantesco depósito de bebidas do outro
lado da rua.
Dialogavam sobre um mundo melhor, a maneira mais
sadia e feliz de viver, a beleza do planeta, o paraíso que poderia se tornar a
vila. E, como suavizava as amarguras o trocar dessas idéias!
Os assuntos se revezavam a cada noite, todos
participavam e de uma certa forma as esperanças do vilarejo ganhava força.
Num desses encontros a Dra. Marilena, já tendo
liberado os primeiros acidentados continuava a atender no prédio da APAE os
doentes com a ajuda da agente de saúde, a enfermeira e o Sr. Demétrio que
passou a produzir alguns remédios naturais para substituir os alopáticos que
começavam a faltar resolveu falar:
--Olha pessoal, eu queria falar sobre uma coisa
totalmente desconhecida, não se preocupem, não é uma nova doença, nem nada
contagioso. Trata-se de outro calendário para nosso grupo, um calendário da
paz, ou seja, um calendário do tempo natural. Penso esse calendário como a
forma de viver mais de acordo com a existência de um mundo novo. Mundo este,
que começamos a viver hoje, pois o calendário do tempo natural foi feito com
exatidão combinando os ciclos da natureza, a mudança de estações do ano, as
estrelas no céu, as fazes da Lua, a rotação da Terra, a translação da Terra em
total harmonia com o percurso de outros
planetas. Ele é tão natural e perfeito que fica em exata concordância com nosso
biorritmo corporal, O Biorritmo é um conjunto de atividades e de
processos bioquímicos, fisiológicos e do comportamento que afetam e influenciam
nosso corpo e todos os organismos vivos,
modificando nossa disposição,
nossos estados de humor, até possibilidades de hemorragia em operações
clínicas. Ele inclusive respeita o ciclo menstrual da mulher que dura cerca de
28 dias.
Está difícil de compreender?
Bom, vou esclarecer melhor! O calendário é formado
por 13 períodos chamados de Luas porque cada um desses peródos representam as 4
fases da Lua que acontece dentro de 28 dias.
O que eu quero dizer com isso é que continuando a
viver nas normas do calendário gregoriano usado hoje estaremos separados da
informação natural e dos ciclos naturais e assim sendo, permanecemos criando
desajustes em nossas vidas como enfermidades mentais e a perda da nossa
ressonância física e espiritual com a natureza precipitando-nos para a
dependência total e cega do materialismo.
Isso mesmo, esse materialismo que foi capaz de quase
destruir o mundo, essa sensação de medo e desesperança que nos aflige agora. O
calendário de 12 meses força-nos a aceitar que “tempo é dinheiro” como nos tem
sido ensinado desde 1582 quando foi criado o calendário. Além de tudo, nos
incita a competição, ao aprisionamento de nossa alma a conceitos totalmente
anti-naturais. Daí o surgimento dos anti-depressivos, as drogas.
Posso dizer com toda certeza: TEMPO É ARTE, TEMPO É ALEGRIA, TEMPO É VIDA, TEMPO É BELEZA
(falou mais alto a Doutora).
A quebra da ordem natural da vida nos levou a essa
sociedade dominada pela cultura do dinheiro, pelas bolsas de valores, para a
sublimação das corporações, do comércio e dos bancos, que provocaram todo tipo
de desequilíbrio, como guerras, contaminação, a matar nosso próprio semelhante, desigualdades
sociais, cidades gigantescas e inabitáveis onde nem se podia trafegar.
Queremos isso novamente para nossas vidas?
--Não! Foi a resposta uníssona de muita gente.
Sorrindo a doutora continuou:
--A organização da vida com base no calendário da paz
não é uma mera recontagem dos dias, mas um arranjo matemático e científico
possibilitando a sincronização com o tempo verdadeiro, representando mudanças
fundamentais tanto na organização da nossa matéria como em nosso espírito. Mais
para a frente vou ver se trago mais esclarecimentos sobre o assunto.
A partir daí a Dra. Marilena passou a atender dúvidas
aqui e acolá sobre o assunto e receber a parabenização de um a um sobre a
instituição do tal calendário na vida de nossa querida Vila.
Pompeu relembrava que num determinado ano, o amigo
Benedito criticara os caras que observavam as estrelas só para fazer um
calendário mais perfeito para os melindres do imperador da China e dos Maias.
Dizia que isso era uma perfeita perda de tempo investigar anos a fio só para
satisfazer um poderoso. Agora ele
compreendia que era a nossa própria
ignorância que nos impedia de compreender tal estudo.
SUSTENTABILIDADE
Naquele dia os lavradores voltaram contentes do
plantio, tendo terminado no dia anterior uma cota suficiente de sementes
necessárias à sustentabilidade da vila, começaram a plantação de outras
espécies aproveitando as sementes recolhidas pelas crianças e aquelas cujos
moradores vinham guardando. O fato inusitado era o desconhecimento da maioria
das sementes. Então, plantavam-nas conjuntamente com as conhecidas como:
abacate, manga, coquinho, pêssego, mamão, café, limão, marolo, jaca, fruta do
conde, pera e outras.
Era uma mistura intencional, porquanto deveriam fugir
de toda semelhança ao agro-negócio que ao encher a terra com uma única espécie
atraiam pragas e espantavam os animais.
Dizia o Senhor Nobre que orientava enquanto
trabalhava com os plantadores.
--Se você quer ter esquilos plante castanhas, se
quiser araras cultive frutas, girassol . No futuro, aqui será um bosque
maravilhoso onde as pessoas terão motivos para se encantar, as crianças poderão
brincar aumentando a intimidade com os
animais e as plantas.
Nossa realização não é absolutamente para comércio ou
só para nos alimentar, mas para as crianças, os animais, para o benefício da
nossa casa – o planeta Terra.
À noite, a certeza da sustentabilidade causava um
alento nas almas preocupadas dos presentes.
Ao pé da fogueira, a alegria de Pompeu era notável
então, inicio a palestra:
--Olha pessoal! Estamos aliviados, bem o sabemos. A
primeira meta – a da subsistência – está para ser cumprida. A palestra fora
interrompida por aplausos.
E continuou falando o Pompeu:
A vila está limpa dos entulhos, agora é preciso
atender a outras necessidades, como a da educação para as crianças, a produção
de açúcar e óleos, a construção de moradias. Então, será preciso tomar cuidado
e estudar minuciosamente cada detalhe de como queremos a educação de nossos
filhos, a construção de nossas casas. Não podemos repetir em hipótese alguma o
modelo de vida mercantilista anterior que visava o lucro, o imediatismo
instruindo nossas crianças só para apertar botões e construindo cidades, para os
negócios e os automóveis. Será preciso refletir a educação – digo educação e
não escola, porque a palavra escola nos remete ao tacanho sistema antigo de
instruir – e a educação deverá instigar a liberdade, a criatividade, o respeito
ao ambiente e as pessoas. Valorizará a arte, a beleza, o bom, o significado da
existência. O conhecimento não poderá vir de um professor com uma lousa, mas de
práticas em atividades na própria comunidade, respeitando desde cedo o amor ao realizar.
Novamente aplausos ocorreram e, Dona Dinha aproveitando pediu uma “licencinha”
para interromper dizendo:
--Pompeu está certo!! Toda tarefa na vida deve ser feita com capricho e bastante
amor indo desde o pãozinho com manteiga quando você passa a manteiga até os
extremos, dá uma esquentadinha para ficar mais
apetitoso, acrescenta um copinho de leite quentinho e
serve ao amado com um beijinho, até a construção da casa que minuciosamente deve
ser analisada para procurar detalhes onde você possa adicionar, encanto e beleza.
Pompeu continua:
--Com relação à moradia, não existe mais cartórios,
IPTUs, e nem existirá mais a palavra
“propriedade”. As casas não terão mais cercas ou muros. Os registros de imóveis
estão debaixo d’água faz tempo e quem vai dizer alguma coisa? Mas é preciso
planejar para não construirmos um amontoado de residências sem sentido. Bom
senso, providência, arte, bom gosto, respeito ao meio ambiente deve ser a
orientação em todas as atividades da comunidade, as residências deverão ter
grandes quintais embelezados pelo morador, serão feitas em lugares adequados e
para todos que desejarem.
Um alvoroço de satisfação surgiu entre os ouvintes
até que um jovem lavrador disse:
--Então seu Pompeu, quer dizer que nós vamos sair do
aluguel e teremos uma casinha bonitinha assim como o senhor falou?
--Certamente companheiro! E ela será do tamanho das
suas necessidades, com direito a aquecedor solar, luz natural de garrafas pet
com água no telhado e biodigestor. Se todo mundo concordar.
--Vixi! Mas o que é biodigestor?
--Biodigestor será onde você mandará todas as suas
fezes inclusive o lixo orgânico da casa. De vez em quando vc vai ter que mexer um pouquinho nele, mas você poderá até ter gás
encanado e adubo para colocar no seu jardim. Bom, quanto a isso, ainda vamos
estudar para descobrirmos a melhor maneira de instalá-lo nas casas. Notem vocês
a não necessidade
de fossa que
contamina a terra e nem da rede de esgoto que exige um tratamento gigantesco.
Quanto a produção de óleo, açúcar, e farinha nossos
“engenheiros” estão estudando uma maneira criativa de num só lugar poder fazer
as três coisas com a utilização de mulas ou de vento. Ironizou Pompeu fazendo
um sinal com as mãos representando as aspas.
REALIZAÇÃO E PLANEJAMENTO
Aquela manhã tinha ficado agitada demais, era um
entra e sai na casa de Pompeu que extrapolava a capacidade da moradia, o
movimento era tanto que resolveram mudar as atividades relativas ao bairro para
o escritório de uma fábrica de aparelhos elétricos quase ali em frente.
O prédio,
inteiro de concreto resistiu perfeitamente às intempéries da catástrofe, o
escritório era grande com janelas amplas e aquele vidro grosso. Estava tudo
intacto, inclusive o mobiliário com escrivaninha, pranchetas e material de desenho.
Pompeu, um autodidata, conhecedor de artes, desenho
de construção civil e de projetos, um estudioso inveterado e constante de arte,
política, economia, ecologia, filosofia, curioso sobre áreas científicas, não
era doutor em nenhuma dessas disciplinas, mas uma pessoa simples, de poucas
posses, anarquista, sem religião, mas com enorme religiosidade interior a ponto
de praticar meditação todos os dias.
Enfim, se encaixava perfeitamente com aquela situação de mudança planetária.
Discutiam, esboçavam, planejavam vários projetos e
atitudes ao mesmo tempo, pois era necessário não deixar perder o ânimo da
população.
Projetavam a nova forma de moenda que pudesse esmagar
a cana para a garapa, espremer sementes para o óleo e movimentar um rolo pesado
para a fabricação de farinhas.
Havia um projeto meio parado do novo barco que
deveria ter motor que movimentasse as rodas, bem como, a pequena hélice para
navegar.
Estudavam livros com exemplos de construção de
biodigestores, modelos ecológicos para montagem de aquecedores solares, fogões
e fornos a lenha e solares, captação de água nas indústrias e nas casas,
cisternas. Participavam desses projetos, o homem do ferro velho e esposa, dois
eletricistas incluindo o Benedito, o Serralheiro Manolo com o genro, dois
mecânicos o Senhor Nobre, alguns pedreiros e carpinteiros que trocavam idéias e
experiências dando sugestões, Toninho e mais dois marceneiros e 10 jovens que
aprendiam, colaborando com tudo, ora levando e trazendo livros, e utensílios,
ora martelando, instalando, limpando e tudo o mais que um rapaz ou garota podia
fazer.
Com relação ao projeto da nova forma de educação,
apareceram algumas pretensos educadores, mas era outro caso à parte a exigir
cuidado porque bem difícil seria mudar o modelo pré-existente na forma de
ensinar. Pois a inclinação natural das pessoas era resistirem à mudanças e
quando aparecia alguém disposto a criar, ter atitudes diferentes a tendência do
resto dos professores ou funcionários públicos era esfriar e isolar o idealista
num canto até sua desistência.
Pompeu abominava o poder que corrompe, o status que exclui,
os patrões e mandatários que oprimem. Aliás, sempre deixava claro em todas as
ocasiões que a vila se quisesse ser um paraíso deveria repudiar qualquer
ligação com todo tipo de poder. Apregoava incessantemente o esquecimento das
palavras propriedade, competição, patrão-empregado, chefe, diretor, gerente, capital-trabalho,
poupança, economia, banco-dinheiro, dívida, prestação, religião,
desigualdade-igualdade, riqueza-
pobreza, progresso. A palavra trabalho sugeria
substituí-la pela palavra realização. A frase “Tenho que” trocada por: “Escolho
fazer”.
Aquele velho gordo falava muito - viajava nas idéias
como diziam os amigos - mas instigava a
participação de todos e nunca impunha seus sonhos a revelia de uma só pessoa.
VILA DOS BOTOCUDOS
Naquela noite gostosa e ao pé da fogueira, A “Du”,
neta de Pompeu apareceu com um violino tocando peças maravilhosas como: “Jesus
Cristo alegria dos homens”, “Canon” e outras lindas canções do repertório
brasileiro.
Dona Dinha e as oito ajudantes e aprendizes
distribuíram pipocas servidas em fundos de garrafas pet cortadas e sabiam todos
o por quê de nunca mais jogarem no chão
qualquer objeto poluidor. Portanto, todas as garrafas e utensílios de plástico, vidro, pneu, metal e pets
deveriam ser continuadamente reutilizadas criativamente.
Foi naquela noite o discurso de Benedito dissertado
sobre a vida dos índios.
--Nossa existência hoje em meio a tantos dramas por
causa da destruição de tudo a qual nos identificávamos antigamente aproxima-nos
do modo de vida dos índios existentes em nossa região, talvez aqui mesmo em
nossa vila.
Pois é, a vida dos índios era na verdade o que a
sociedade moderna, se escravizava para
ter. Ou seja, uma vida em paz harmonizada com a natureza. Porém, não atinavam
que ninguém chega à paz, a auto realização com o “ter”, mas sim com o ‘ser’.
O índio só caçava, pescava, fazia ocas, confeccionava
flechas e utensílios estritamente só para as necessidades, plantava para si e
para o futuro quando um viajante precisasse. Não juntava e não guardava nada. O
resto do dia, só brincava, dançava e nadava. Se precisassem de remédio pegavam
na natureza. Nada mais! Jamais eles conseguiriam compreender a existência da
propriedade, governo, chefe, patrão. O Criador do Universo – Um Deus pregado na
cruz então. Era totalmente inconcebível!
Benedito fora interrompido por um ouvinte que
perguntou:
--E o cacique, não era um chefe? E o curandeiro, não
tinha poder?
--Orlando Villas Boas, um indigenista nos ensina que os
caciques, como o curandeiro, nada mais eram senão grandes servidores. Um
buscando a cura dos doentes com conhecimento na elaboração de remédios e
capacidade mediúnica e outro representando os desejos da tribo, tanto entre os
seus como para as pessoas de fora da tribo.
Quando precisavam cortar uma árvore, pediam durante
dias perdão à natureza por cortá-la, pediam desculpas à árvore por tirar-lhe um
pedaço. Isso tudo acompanhado de muita oração.
Quando nascia uma criança, era considerada um
presente do Criador para ser respeitada, festejada e cuidada. Jamais um índio
bate numa criança e se virem bater ou ralhar com elas ficam bravos. As crianças
iam crescendo e aprendendo com os próprios pais, parentes e a tribo toda, pois
todos se sentiam responsáveis por aquela dádiva do Universo.
Para o índio não há diferença nenhuma entre o sonho e
a realidade, quando dorme o sonho continua sendo vivência normal como a do dia,
a única diferença é a percepção dos mundos material e espiritual mais abrangente durante o sonho.
Estou contando essa história porque cada um de vocês
poderá tirar dela subsídios para suas próprias vidas e por estar bem de acordo
com muito do que estamos fazendo e vivendo agora.
Aqui na região da cidade de Avaré e imediações viviam
em maior quantidade os índios Caiowas que foram dizimados pelos conquistadores
destas terras. Também viviam os índios Botocudos – muito bravos - e os Guaranis
em menor quantidade.
É lógico que não estou propondo a volta da moradia em
ocas, a vivermos exatamente como eles, mas que essa história seja mais um
exemplo de vida harmoniosa e como estamos nos desligando de tudo que a
sociedade anterior tinha como um ideal, desejo propor que nossas ruas não
tenham mais nomes de personalidades que muitas vezes foram corruptos,
assassinos de índios, escravagistas para nomes da natureza como os índios
usavam, nomes de flores, talvez nomes de músicas ou poetas.
Benedito mais uma vez fora interrompido.
--Por que chamamos o bairro de Jardim Paineiras se
aqui só tinha aquele único jardinzinho mixuruca com uma única paineira que a
Cia. De Força e Luz cortou porque atrapalhava os fios de eletricidade. Será que
não poderíamos chamar nosso bairro de Vila dos Botocudos que é um nome de gente
brava e lutadora como nós? No bom sentido, é claro!
Dona Dinha emendou:
--Seu Pompeu, nos orientou tanto sobre a beleza,
sobre a multidão de coisas que não
existem mais, sobre como devemos nomear as nossas novas atividades. Que tal, em
vez de habitantes do Jardim Paineiras nos auto-denominemos de Caiowás da Vila
dos Botocudos em respeito aos antigos Caiowás mortos aqui. Penso, que estaria
mais de acordo com a terra a qual nosso novo calendário da paz tem nos trazido?
Dra. Marilena sorrindo continuou:
--Pode ser incomum, inconsciente ou até uma inspiração
do Universo conspirando a nosso favor, mas a mudança da palavra “habitante”
pelo nome de “Caiowas” nos torna todos membros de uma mesma família, o que não
é de se estranhar já que estamos trabalhando... Ops! Desculpem minha falha!
Repito: já que estamos realizando as tarefas para nossa sobrevivência juntos,
como faziam os índios. Isso nos liga a
Terra e reforça nossas realizações. Não é Sr. Manolo Caiowá de Nóbrega, Dona
Dinha Caiowá da Silva, Senhor Pompeu
Caiowá Felipeti. Não é todos meus queridos irmãos Caiowas? Falou a última frase
olhando os ouvintes.
Benedito um cético, naquele momento questionou um
pouco suas convicções, pois de vez em quando sentia que suas palavras, estavam em sintonia com alguma coisa muito
maior. Este acontecimento era no fundo seu grande desejo realizado.
A VIDA CONTINUA
Sabe como é, tendo um ótimo engenheiro fazemos obras
maravilhosas e quando não temos construímos também e, se não dá certo, mudamos
o jeito e se não der alteramos de novo e assim, devagar, sem um profissional
especializado, estava sendo
construído o engenho com tripla
finalidade.
“Pois é, Caiowás não desistem nunca.”
Wagner (o barqueiro) agora baldeava livros da antiga
biblioteca de Avaré para a Vila dos Botocudos e quando encontrava algo interessante
no caminho as recolhia, achava galinhas, porcos e ferramentas e procurava instrumentos
musicais.
As novas residências foram projetadas de modo a dar
harmonia a vida.
Valmir um professor de arte que estava ajudando na
lavoura passou a colaborar nos planos de educação.
A charrete corria, levando tambor, trazendo leite,
buscando farinha, entregando pães para quem não podia buscar, buscando livros
para a nova biblioteca montada em enorme galpão de bebidas que seria posteriormente,
belíssimo centro comunitário.
Os carroções transportavam agora terra, bambus e
ferros para as novas edificações, Toninho e os dois marceneiros, dedicavam-se intensamente a fazer portas e janelas para as
casas.
Os pedreiros demoliam as residências mais estragadas para aumentar o
terreno das mais bem preservadas, tomando sempre o cuidado de preservarem todo
o material reutilizável.
Sr. Nobre fazia curvas de nível com os lavradores.
A vida prosseguia debaixo de um Sol benfazejo e um
céu inspirador.
Benedito dava duro e queimava as pestanas com Manolo
e o pessoal construindo o engenho e nas horas mais folgadas elaborava com
Valmir e Pompeu o planejamento da educação.
As chuvas da madrugada continuavam a abençoar a terra
que retribuía vigorosa com a exuberância do verde que brotava, as noites
passaram a ter saraus de música e poesia acompanhadas de pipoca, amendoim torrado ou soja salgadinha.
No calendário do tempo da natureza (o da paz), o ano
não começava mais em janeiro, a não ser o nascimento de Cristo, não havia datas
celebrativas religiosas nem nacionais, muito menos as comerciais, como dia das
crianças, dos pais. Mas, aconteciam celebrações semanais, com relação ao
universo, homenageando o vento, terra, água, o Sol. Havia a semana do respeito, da elevação, da
comunicação, da criatividade, do amor, da disciplina, da vida e da morte, da
virtude, do equilíbrio e assim o tempo ia fazendo refletir sobre os interesses
reais da existência. Nada tinha a ver com o dia dividido em 12 horas de 60
minutos, as pessoas não sentiam a
necessidade do relógio ou de marcar compromisso, pois estando em consonância
com o universo, estavam sempre no lugar adequado,
na hora certa, e com a pessoa correta. A vida passou a fluir com perfeita
harmonia e ninguém sentia falta de nada.
Dra. Marilena afixava cartazes onde se reuniam, a
cada mudança da Lua e das fases da Lua um símbolo de energia mostrando as
freqüências das fazes da Lua , bem como do período também chamado de Lua e da influência galáctica.
A EDUCAÇÃO
As estrelas, mais brilhantes multiplicavam o encanto
do céu., salpicando na abóboda celeste, sugeriam um manto celeste a cobrir carinhosamente
a Terra trazendo sensações de paz, beleza e proteção.
No aconchega da fogueira, Valmir começou a falar
sobre educação dizendo:
--Todo mundo aqui
se conhece então sabem o meu nome, só não sabem minha profissão –
professor de arte e artista plástico. Quero dizer que arte não é um luxo, coisa
a ser tida em última instância. ARTE É FUNDAMENTAL (falou mais alto). Arte é o
que coloca personalidade numa casa, influência o humor, sugestiona, encanta e
entretém os visitantes. A arte está em tudo na natureza desde a criação de encantadora
flor pelo Criador como nas palavras de Jesus através das parábolas e exemplos.
A arte está inclusive na criação da escrita que era figurada e depois se
desenvolveu até se tornar na forma arábica de escrita. A arte colabora com a
vida e arte é vida. Simplesmente! Na sociedade em geral a arte sempre esteve
presente em todas as coisas, desde um carro, uma lata, uma construção, um
livro, na música, teatro, cinema, literatura. A arte fica, e as coisas passam,
pois todo mundo lembra o que ficou não é? A pietá de Miclelângelo, Guernica de
Picasso, as obras de Aleijadinho, Mona Lisa, o Palácio da Alvorada, a Igreja de
Notre Dame Dom Quixote, Camões. Os mosaicos portuguêses na praça da Vila dos Botocudos.
Falei de arte não só porque sou professor de arte,
mas pela importância que ela terá na educação de nossos Caiowazinhos, na
formação do caráter, desenvolvendo a sensibilidade, aguçando principalmente
partes do cérebro que comumente não usamos.
A educação dos Caiowás, não será destinada à
produção, a obediência servil como vinha acontecendo conosco, contudo será orientada
ao pensar, a criar, a realizar. Na matemática ninguém mais aprenderá fórmulas
sem saber qual o uso, mas será aplicada com problemas reais a serem resolvidos
não numa sala de aula, mas nos locais onde devem ser solucionados, como na
cozinha da Dona Dinha calculando a quantidade de ingredientes nos alimentos segundo determinado número de
pessoas, no campo junto aos lavradores calculando o espaçamento das árvores
segundo a espécie e segundo a área a ser utilizada, assim como, nas curvas de
nível. Nas construções calculando a área e a quantidade e mistura dos elementos
na edificação do prédio, Enfim, na serralheria, marcenaria, nos projetos da
cidade, lá estarão os Caiowazinhos participando. Na ciência estarão plantando,
observando o crescimento extraindo
resultados, observando insetos e animais relacionado-os sua importância no
ecossistema do planeta.
Serão educados com relação ao respeito e fraternidade
entre as pessoas, como planejar a vida dos filhos e agir no casamento, com
relação â religiosidade interior, ou seja, a ligação do seu íntimo com o
universo - conhecerão os ensinamentos dos vários mestres da humanidade.
Começarão desde cedo a realizar tarefas em todas as áreas de atividade da
cidade, inclusive com a Doutora tratando de doentes, com o Demétrio conhecendo,
plantando e manipulando ervas. Como fazer um bom prato, lavar melhor a louça,
tirar manchas, costurar, fazer calçados com solas de pneu e couro duro e assim
será.
Aproveitando a pausa, Janaína, uma adolescente que
apresentava capacidades extraordinárias
desde pequenina ao pintar quadros com extrema precisão mostrando pessoas
e lugares maravilhosos de outras dimensões e a medida que crescia passou a
escrever poemas e ultimamente tocava e compunha canções delicadas e relaxantes
pôs-se a falar:
--Nesta era na qual nos interiorizamos para encontrar
harmonia, somos o poder que andávamos procurando. Cada um de nós está
totalmente ligado com o Universo e com a vida.
Somos uma comunidade de seres espiritualizados se
unindo para repartir, aumentar e irradiar nossas energias para o planeta que
sempre fora um paraíso presenteado pelo Criador .
Cada um de nós é livre para realizar atividades
particulares, mas unidos melhor contribuímos para que os desejos de todos se
cumpram com maior eficácia. Vejo-os guiados a formar um céu na Terra, com todos
ansiando provar que esse céu pode ser feito aqui e agora. Vivemos em harmonia,
cultivando amor e paz, expressando a Fonte Divina em nosso modo de viver. Criamos
uma comunidade onde, em verdade, a realização mais importante é fornecer
alimentos para o crescimento da alma. Temos o tempo suficiente para a expressão
criativa em todas as áreas de nossos afazeres, pois aqui na vila gerada por
nós, não existe a preocupação com dinheiro e trabalho árduo e o tempo é imenso.
Todas as nossas necessidades são realizadas por intermédio do que nossa alma
expressa, ou seja, do poder interior que cada um de nós tem. Portanto, o ensino
é um processo no qual faz-nos relembrar ou põe à tona, o que já possuíamos
interiormente uma vez que somos seres perfeitos, reflexos do Criador. O mundo
do futuro está sendo criado aqui e agora. E assim será!
Esta fala provocou segundos de silêncio de extrema
emoção para assimilar a intensa satisfação que envolvia os presentes.
A educação era outra etapa da sustentabilidade.
Portanto, o reinício dos estudos realizava mais uma esperança dos Caiowás.
NOVAS HABITAÇÕES
Manolo, Benedito e companheiros, projetavam,
experimentavam e reprojetavam um novo
barco com motor.
O bairro oferecia subsídios abundantes para as
construções, existia uma serraria com imensa quantidade de madeira, mais dois
depósitos com madeira estocada. duas marcenarias, duas serralherias, uma
fábrica de lajes e postes de concreto
com muito ferro e areia estocados, um depósito de material usado de
construção fábrica de concreto e duas indústrias químicas. Além dessas fábricas
que forneciam bom material para a construção havia ainda, uma fábrica de
piscinas com algumas prontas no pátio, confecções de roupas com estoques de
tecidos, Enfim, tinham material suficiente e com requinte para fazer inúmeras tarefas,
exceto tijolos e telhas.
A lavoura, naqueles dias, já não exigia tantas pessoas como no início.
Então uma pequena parte de lavradores passou a ajudar os pedreiros e
carpinteiros.
A primeira edificação não usou, portas e janelas do
depósito de material usado porque não teria janelas com vidros suficientes para
todas as casas a serem construídas.
A casa terminada tinha um aspecto de chalé, porém com
detalhes que a aproximavam de um verdadeiro sonho. A porta de entrada não tinha
os batentes retos, pois foi feita de troncos com ligeiras curvas, muito bem
cortados e envernizados e a porta acompanhando as curvas. Em cima da porta havia
um detalhe em terracota branca feito pelo Pompeu simbolizando uma mandala. As
paredes eram de pau a pique grossas, bem acabadas, com saliências provocadas
artesanalmente pelo pedreiro a fim de dar um aspecto bonito e diferenciado. Era
pintada de azul céu a fim de contrastar com o verde e o jardim no exterior. Na
cozinha havia uma árvore cortada há muito tempo, cuja raiz ainda fincada no chão aproveitaram para colocar uma
tampa de madeira e fazer assim uma mesa rústica e original cercada de
banquinhos cujos assentos eram troncos cortados. Nas paredes em todos os
cômodos estavam incrustadas garrafas de vidros de cores variadas de modo a
deixar passar a luz de uma forma agradável
colorida e original. Com exceção dos quartos, todos os ambientes tinham
no teto fundos de garrafas pets com água
que ultrapassavam o forro para o telhado
causando enorme e gostosa iluminação. As
janelas eram grandes, semelhantes àquelas das casas coloniais que antigamente
se fechavam com travas.
A sala apresentava na parede uma figura saliente em
terracota colorida de uma baiana segurando uma bandeja de quitutes e a bandeja
se sobressaia um pouco mais a fim de poder ser usada como uma estante, no teto
um círculo de luz provocado por oito garrafas pet verdes e brancas com água. O círculo de garrafas tinha uma
corrente no centro que despencava do teto segurando um exuberante vaso de
samambaias. A cozinha e a sala apresentavam pequenas aprofundamentos feitos
propositadamente em lugares estratégico na parede para comportar vasos de garrafas pintadinhas
com flores e potinhos de vidro reciclado artesanalmente confeccionados para
temperos, açúcar e sal. O piso da casa era feito de caquinhos intencionalmente
organizados de forma a mostrar criativos mosaicos.
O box do chuveiro era um pouco mais alto do que a
privada de modo a fazer a água do banho escorrer para um reservatório de água
da privada que cujos dejetos eram desviados para o biodigestor. Num espaço
acoplado à cozinha havia o fogão a lenha com forno, gavetinhas para tirar a
cinza e grelhas para assados. A água da pia era canalizada por canos de modo a
regar automaticamente a horta e os jardins. As telhas eram feitas de madeira
impermeabilizada no estilo americano e pintadas de cerâmica quase branca. A
moradia possuía aquecedor solar feito de material reciclado e, era volteada por
um chão de rústicas pedras beges.
As pessoas estavam satisfeitas, pois as metas de
sobrevivência estavam para serem completadas com requintes inesperados de capricho.
Wagner, Manolo e Benedito tinham adaptado no barco
uma moto triciclo deixada no bairro, ficou lindo com aquele acento confortável
de moto, mas não deu certo, a frente do barco levantava com o peso na traseira
de um motor Volkswagem. Então resolveram
trocá-lo por um motor 125 cc de uma bis abandonada no cataclismo.
Deu certo e agora podiam fazer viagens mais longas
com o barco.
A construção de moradias transcorria a pleno vapor. A
colheita de cereais e de oleaginosas estava prestes a acontecer. Na casa da
Dona Dinha estavam fazendo um biodigestor bem maior por causa da atividade
intensa e do volume de dejetos e material orgânico que seus quitutes
dispensava. O gás metano produzido por esse biodigestor será usado para manter
o frízer funcionando, pois guardavam muita carne para sua cozinha e para a
população.
A VIDA E A MORTE
A Lua no Calendário da Paz designava o momento de se
dedicar às reflexões sobre a vida e a morte. A Dra. Marilena explicava detalhes
de como deviam pensar no assunto e Pompeu discorria sobre a necessidade do
viver de novo dizendo:
--“Ninguém entrará no reino dos céus se não nascer de
novo” disse nosso grande mestre Jesus. Assim ele ia esclarecendo sobre a
justiça Divina ao permitir que os espíritos continuassem a reencarnar para
continuar sua jornada rumo às paragens angelicais onde viviam os espíritos de
alta sabedoria.
Às vezes ironizava provocando gargalhadas:
--Eu não quero morrer e ir para o paraíso! Viver
deitado numa rede, tomando suco de canudinho, ouvindo o cantar de hinos
evangélicos, escutando frivolidades de gente que não tem nada a dizer, adorando
“Deus” (fazendo sinal de aspas com as mãos) interraptamente. Isso seria uma
prisão. Viver eternamente sem realização nenhuma? Eu quero é rock, quero vida...
Deus me livre, eu morreria no paraíso se assim fosse!
Outras ocasiões ele comentava que os espíritos
avarentos, ligados a matéria permaneciam longos anos ligados aos seus bens na
terra após seu falecimento. Dizia que não existe um lugar específico para um
céu e um inferno, demonstrando que esse pensamento era um paradoxo por não
estar de acordo com a justiça e o amor do Criador.
--Os espíritos depois que desencarnam vivem naquilo
que criaram para si próprios, convivem com aqueles que lhe são afins em gostos
e pensamentos. Não seria justo que um
estudioso tivesse que conviver com um preguiçoso, um alcoólatra com um
abstêmio, um violento com um pacífico, gananciosos com desprendidos.
Quem acreditava que iria dormir até o juízo final ficaria
realmente dormindo por tempo indefinido até descobrir que não devia ser nada
disso.
Seria mais lógico e de acordo com a continuidade da
evolução humana que no mundo espiritual existam nobres tarefas de ajuda atendendo
às almas menos esclarecidas e pessoas encarnadas necessitadas de inspiração
para resolver seus problemas.
A vida espiritual e a vida material deve ser uma
continuidade ininterrupta de realizações, os espíritos desencarnados são como
uma força debruçada sobre os espíritos encarnados, havendo correntes de
pensamentos a influenciar ambos os lados. Influências estas, boas e ruins
segundo as afinidades.
E assim, Pompeu ia prendendo as atenções do público
com esclarecimentos bastante aceitáveis pela razão humana. Ora um palestrante
falava, ora outro de modo a trazer bom entendimento a respeito da vida e da
morte.
A COLHEITA
A colheita começa e muitos Caiowás executando outras
tarefas voltam a ajudar na lavoura. Os carroções trazem a cana da lavoura para
o engenho e retornam com o bagaço para novamente adubar a terra. Adolescentes
colaboram raspando a cana deixando-a bem branquinha para a moagem.
Outros colhem milho, soja, feijão e amendoim, o
carroção e a charrete também estão empenhados com essa turma.
Quanto ao engenho, “os engenheiros”, acharam mais
simples movê-lo com mulas, como antigamente faziam no Brasil..
A diferença era que nosso engenho tinha tripla
finalidade, exigindo, pelo menos dois andares, as mulas ficavam em cima movendo
a roda, a cana enfiada nas engrenagens produzia a garapa que através de cano
caia numa peneira em pavimento inferior anexo e depois passava a um
reservatório. O produto do reservatório era fervido em tachos e se a fervura
fosse tirada rapidamente era coada e tinha-se o melaço, sendo refervida
novamente até determinado ponto coavam de novo, colocavam em forminha e
obtia-se a rapadura, quanto mais ferviam mais duro e branco ficava o caldo que
coado mais vezes transformava-se no açúcar mascavo. O bagaço de cana era posto num escorregador
podendo cair diretamente no carroção. Quando chegava amendoim para produção de
óleo usava-se a mesma moenda só que no andar inferior, onde uma peça grande e
grossa de madeira, em forma de broca, esmagava a semente até extrair-lhe o
óleo, a sobra era guardada para pasta de amendoim ou outras guloseimas. A
farinha que não podia ser produzida ao mesmo tempo, pois deviam limpar e secar
a prensa, passava pelo mesmo processo e depois caia numa pedra reta sob um eixo
que movia duas rodas pesadas girando sobre os restos de grãos amassando-os a
ponto de virarem finalmente um pó de farinha.
A COMEMORAÇÃO
Era justo que naquela noite fizessem uma grande
festa, pois estavam gratos ao universo e a abençoada terra que prodigalizava
retribuindo o cuidado e respeito que os Caiowás lhe dedicavam.
Naquela noite, excepcionalmente fizeram a fogueira
dentro do grande depósito de bebidas. Pois, chegara um piano pequeno, destes
sem cauda, que não podia ficar na rua e ser movido, além do que puseram caixas
de bebida em volta de mesas improvisada com as tais caixas. Dona Dinha tinha
preparado paçoquinha de pilão, balinha de rapadura mole, pãezinhos com pasta de
amendoim, curaus e bananada feita com açúcar mascavo. Frutas saborosas
adornavam as mesas num arranjo com folhas
e flores.
Assim que chegaram os ditos “engenheiros”
(construtores do engenho), ouviu-se prolongada salva de palmas.
Um grupo de jovens tinha preparado um belo espetáculo
que ficaria na história da vila para sempre. “Acontece que a música começara a
vir de fora do salão com a Du executando Cio da Terra” ao violino num arranjo
mais erudito, depois entrou Janaína com uma flauta e o inesperado era o Valmir
sentando ao piano para acompanhá-las, a música foi se transformando
gradativamente de um clássico num sertanejo quando duas adolescentes entraram
no recinto com violões, as pessoas emocionadas acompanhavam cantando, a mesma
música foi novamente alterando o ritmo para uma forma totalmente original
quando adentraram ao recinto mais três jovens tocando berimbaus e antes do
término os sons dos tocadores de timba, chocalho e reco-reco começaram a ser
ouvidos .Em seguida interpretaram “Por que não falaram das flores” de Geraldo
Vandré, `”Imagine” de John Lennon, cantada em português pela Janaína, depois
veio “Epitáfio” dos Titãs, “ Goiabada cascão” e outras cujo povo dançava e
cantava junto.
De repente, um silêncio premeditava um novo
acontecimento, no escuro do fundo do salão uma voz grave começou a cantar
baixinho uma música desconhecida.
--É o “veio”! gritou o rapaz na platéia.
Um coral o acompanhou
cantando, depois veio a sequência musical
Eh Saruê...
Eh Saruá...
Eu canto pra moça na janela,
Eu canto pra mágoa espantá,
A música é meu documento,
Eu venho das terras de lá,
Adonde nasce o vento.
Eh Saruê...
Eh Saruá...
Eu canto pro povo encantá,
Eu falo dos bons sentimentos,
Da vida em todo lugar
Eh Saruê...
Eh Saruá...
Poemas são feitos pra Amar,
Faço versos pra moça e o Luar
Em prosa eu quero contá,
Do povo, da vila, do Caiowá.
Eh Saruê...
Eh Saruá...
Faço rimas pra musa e pro mar,
Eu canto pros males curá,
Poemas pra muito te amar.
Histórias eu quero contá,
Do homem da lida,
Da vida em todo lugar.
Eh Saruê...
Eh Saruá...
No final o rapaz desdentado gritou:
--É “VÉIO” O SENHOR ESTÁ COM “NÓIS”!
Palmas, risadas e algazarra se sucederam. Ninguém
podia imaginar o Pompeu compondo, muito menos cantando e ainda por cima uma
moda de viola que não era seu hábito.
O TEMPO PASSAVA
A vila se transformava, as ruas tinham cheiro de
cidade nova, de tinta fresca, de relva molhada, de flores cheirosas. As
crianças e adolescente amadureciam depressa com a nova educação e a participação
efetiva nas realizações da comunidade. Sons musicais de estudantes eclodiam no
ar. A festa começava cedo com o Sol regendo a orquestra da vida. As casas
estavam lindas. Uma gente moça instalava calhas no maior complexo fabril para
captar água da chuva para as cisternas que alimentariam as piscinas instaladas
no enorme centro comunitário (antiga fábrica). Uma grande massa de pessoas
cavava uma vala bem no centro da Avenida Fraternidade – antiga Av. Donguinha
Mercadante. O córrego destinar-se-ia a escoar todas as águas do bairro de modo
a deixar a vila bem sequinha evitando acúmulos de água aqui e acolá em tempos
de chuva. No fim da avenida onde já existia uma depressão natural no terreno,
com o despejo das águas desta vala, formar-se-ia um grande lago para atrair
aves aquáticas e peixes de água doce. Conforme a obra ia ficando pronta,
meninos e meninas iam plantando paineiras a fim de combinar com a mesma cor a
aparência desta avenida na época da florada. Outras ruas já tinham ganhado
arborização, umas inteiramente de Ipês amarelos e outras com floradas que
variavam de modo a dar a cada rua sua cor específica. Vários moinhos de vento
destinados a trazer pequena iluminação as casas a noite, traziam sutilmente
para os ouvidos as vozes do ar.
A CONFISSÃO
Certa noite o Senhor Pompeu resolveu falar de seus
anseios passados:
--Nos primeiros dias após o cataclismo, refletindo na
necessidade de sobrevivência arquitetei muita coisa realizada em nossa vila, a
maioria delas foram surpresas que o
tempo acrescentou. Confesso que cheguei a pensar, já que não devíamos usar mais
o dinheiro, em criar um bônus ou mérito distribuído igualmente entre os Caiowás
de hoje para adquirirem tudo o que precisassem. Mas o universo planejava
diferente e o nome imaginado para esse bônus tornou-se o nome da nossa família
“Caiowás”. Tornamo-nos uma família!
Não imaginava adotarmos o Calendário da Paz que nos
tem trazido desprendimento e uma outra dimensão a qual desconhecíamos.
É difícil expressar a idéia!
Só sei que as coisas foram tomando outro rumo, que
tenho certeza, está bem melhor do que cogitara. Então coloco este pensamento
para ser apreciado pelos irmãos amigos.
Alguém retrucou:
--- Óia veio, se lembra de mim quando disse pro
senhor ficá pensando e recolhendo suas traias?
O senhor pensou tudo de bonito pra nóis, nem faltou
nada!
Antigamente eu saia no escuro e chegava no escuro,
dava duro no corte de cana queimada, almoçava uma panela fria de arroz com um
ovo no meio, voltava pra casa sujo que nem um lixo, pagava um aluguel de um
barraco pequeno e feio, coberto com uma teia fininha e furada que a gente
precisava por balde no chão em tempo de chuva. E a cerca então, dava nojo, eram
restos de pedaços de madeira meio podre e preta, amarrada com arame que a gente
nem tinha ânimo de arrumar. O vazio no coração só fazia a gente bebe que era a
coisa mais barata que se tinha.
Agora seu Pompeu, eu acordo de manhã no céu, numa
casa bonita que dá gosto de vê, com aquelas luzes brilhantes nas paredes, no
teto.. .Lavo o rosto com água morninha saindo da torneira, as coisas tão sempre
arrumadinhas naqueles espaços que as paredes tem, pego água na pia da cozinha
pro café já quase fervendo porque a água da pia passa também pelos canos de
ferro de cima do fogão a lenha, se quero verdura é só pegar no quintal, se
preciso de pão, leite, café açucar, carne e até lenha é só vim aqui buscar de
graça. Incrível! Inclusive roupa e calçado eu pego aqui. Agora com esse
negócio de construção de lavanderia comunitária que vocês estão pensado em
fazer, sei que nem vou precisar mais lavar roupa.
Eu estou no céu seu Pompeu! Não sei o que a doutora e
os empresários pensam, porque já viviam no bem bom, mas eu digo não! Não quero,
bônus ou mérito, nada... Nada disto!
O Senhor Pompeu emocionado, ficou parado quieto um
tempão, sem se mexer para conter o choro, depois correu a abraçar o rapaz
chamando-o pelo nome. Disse:
--Obrigado João.
Continuando abraçado ao rapaz banguela, chorou,
chorou copiosamente, chorou de soluçar, chorou como nunca antes havia chorado,.
Você é o que eu mais esperava ver nesse mundo novo,
obrigado, obrigado, obrigado João. Disse Pompeu.
Manolo toma a palavra.
--Confesso também que no início, meu desespero não
encontrava saída, por isso fiz logo os arados me apegando a eles como se fossem
meu caminho da salvação para novos negócios, mas os afazeres subsequentes, a
oportunidade de criar coisas nunca antes inventadas, ver a serventia daquilo, sentir a satisfação por
tê-las construídas, foram me levando a um sentimento e uma percepção de vida mostrando
a mim que participação solidária é viver
e um viver ainda mais fascinante do que aquele modo de vida exaustivo e
competitivo pela subsistência. Hoje me sinto mais rico do que ontem, não fico ansioso
para que os negócios dêem certo, mas feliz porque sou necessário para a vila.
Além de tudo, para que querer algo mais se
recebo tudo o que necessito como o João e se me faltar ferro para ter o que
fazer, o Wagner e todos farão tudo para buscá-lo. Tem vida melhor do que esta?
Dra. Marlene dá o seu depoimento:
--No início, o trabalho me afastava das amarguras, me
apegava a ele como se fosse um pequeno remédio ministrado dia a dia, gota a
gota para desfazer-me das tristezas, depois comecei a perceber que não era mais
médica, mas uma médica pesquisadora, isto trazia mais realidade e objetividade
para o meu trabalho. Agora, nada pode me tirar a satisfação de criar e observar
o resultado bem mais conclusivo em meus pacientes. Essa oportunidade valoriza
tanto a minha profissão que não haverá dinheiro nenhum no mundo que pague meu prazer
de viver essa experiência. Além de tudo, as pessoas me escutam, respeitam coisa
que nos hospitais por mais que você se dedicasse acabava recebendo
desconfianças e os pacientes não acreditavam no efeito dos remédios que eu
receitava.
Outra coisa que desejo fazê-los saber é que a vida
sem poluição, agrotóxicos, hormônios aplicados nos animais e os alimentos sem
aditivos químicos, como os que comemos hoje causaram a diminuição das doenças e
consequentemente ficou mais fácil tratá-las.
Os tratamentos agora tem resultados mais
consistentes e sem efeitos colaterais.
Outra coisa boa é nossa vida sem relógio, sem exigências e apelos à ordem, sem
competição. Esta maneira de viver acabou com a ansiedade causadora de inúmeros
males. Enfim, como dizia o poeta: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” e
que assim seja.
Enfim, todos tinham motivos para que a vida na Vila
dos Botocudos assim continuasse.
No final da noite, Pompeu abraçava todo mundo,
fazendo recomendações, beijava profundamente os netos e filhas dizendo palavras
carinhosas, apertava e beijava intensamente sua amada.
.
A MORTE
Em meio a multidão entristecida, Dona Joana Caiowá
Felipeti contava:
---Só eu percebia que meu guerreiro era o mais puro
exemplo dos pássaros no céu como Jesus dizia: “Olhai os pássaros no céu, os
lírios do campo...” “Eles não ceifam, não juntam, no entanto Deus os provê...”
Sabe, ele tinha uma cicatriz enorme no peito,
aconteceu nos tempos da ditadura no Brasil, quando um soldado vinha na
disparada montado num cavalo girando uma espada no ar de modo que idosas caiam,
as pessoas se juntavam no canto das paredes apavoradas tentando desviar daquele
louco e ele, enfurecido, ficou parado sozinho na frente do cavalo com a
intenção de fazer o cavaleiro parar, o resultado foi que a espada cortou-lhe o
mamilo.
Mas, isso não o fez desistir da luta, passou a desenhar
e escrever panfletos abominando a ditadura, contra o arrocho salarial e a favor
da anistia para grupos de militantes, havia um encontro no Largo São Francisco
pela anistia, contra a ditadura. Eu era do interior morando em São Paulo e, não
conhecendo nada, me perguntava o que
faria se meu marido morresse, fiquei com muito medo, pois percebíamos que ele
estava sendo perseguido pelos agentes da ditadura, se fosse preso eu ficaria só.
Pedi-lhe que não fosse ao encontro e ele aceitou. Só sabemos que todos os
companheiros militantes sumiram.
Após a anistia pertencíamos a um grupo daqueles que propunham a volta ao campo,
queríamos como dizia a música da época:
“Uma casa no campo...” “Ter meus livros, meus, discos, criar filhos de cuca
legal e nada mais...”
No campo, criávamos abelhas e plantávamos hortaliças,
mas era calmo demais para uma alma tão irrequieta. Só sei que ao longo da vida ele, foi criando
escolas, bibliotecas, centros de ajuda á necessitados, jornais com poesia,
filosofia e crítica social que incomodava muita gente.
Sempre fomos pobres, pois ele não pensava nunca em
negócio, riqueza, trocava constantemente as distrações e os lucros por estudos,
idéias e ideais, às vezes emendava dias
estudando e escrevendo, fazendo jornais a noite inteira. E quando as contas
estavam para vencer ou ia começar faltar alimento, dava sempre um jeito.
Tínhamos um segredo que só nós dois
sabíamos e não o relávamos a ninguém para não sermos enganados porque como ele
ajudava muita gente, os espíritos de vez em quando, lhe transmitiam instruções
chamando-o pelo nome de Laochra – um nome celta, talvez irlandês e era esse
nome um segredo no qual identificávamos se a comunicação vinha mesmo de
espíritos.
Enfim, ele era como um lindo pássaro a viver no céu,
cujo Criador o alimentava, assim como a nós que o apoiávamos.
Minha vida teria sido insignificante e vazia sem esse
louco fascinante que amarei pela eternidade.
A Vila vestia luto, não na roupa, mas na alma e
depois de 70 horas do falecimento os Caiowás
assistiram o barco distante se incendiando no meio das águas com o corpo
de Pompeu Caiowá Felipeti.
Cinco dias se passaram e o povo perdeu mais um anjo.
Desta vez fora Joana Caiowá Felipeti que como os celtas, era cremada nas águas
que rodeavam a ilha da Vila dos Botocudos.
A VIDA NA COMUNIDADE
Lá na vila o tempo tem outra dimensão, os caiowás
despertam com a luz do Sol, praticam
meditação e exercícios destes que sublimam o espírito e reforça o corpo, cuidam
de suas casas, flores e hortaliças, varrem a rua, almoçam e só depois vão para
as realizações em comunidade, fazendo o que é preciso. À tarde banham-se no
lago e â noite. Ah! A noite como é
bela... Dançam, cantam, brincam e
palestram.
Era de conhecimento geral na Vila dos Botocudos que
quando um Caiwoá se encontrasse em apuros aparecia um casal de velhos anjos
para ajudá-lo.
Rubens Prata
OBS: 1 – Sobre o Calendário da Paz, pode ser
encontrado em vários sites no Google.
2 – Sobre o significa de
“Laochra”. Bom, tentem descobrir!
* Igapeba – jangada feita
por índios, (jangada de remos)