29 de abril de 2012

TEM GENTE



Tem jovem que é velho.
Tem velho que é jovem.
Tem gente que pensa que é vivo.
Mas não sabe, já partiu.

Tem gente que só gosta de cães.
Tem gente que cuida dos gatos.
Tem gente que gosta da gente.

Tem gente que sente.
Tem muitos que mentem.
Tem mestre que finge ensinar.
Tem aluno que finge aprender.
Tem outro, que foge pela tangente.

Tem médico que pensa tratar da gente.
Tem outro que cuida da gente.
Tem gente que planta a semente.
Tem também, quem roube a gente.

Tem gente que derruba a mata.
Tem pessoas, que sujam a rua.
Tem bandido que mata.
Tem poeta, que faz poema para a Lua.

Tem gente, que faz tudo mal feito.
Tem pai que não ensina seus filhos.
Tem outro que nem tenta.
Onde merece morar essa gente?

Tem gente, que acredita na gente.
Tem gente, que duvida da gente.
Tem alguns que exploram a gente.
Tem gente que precisa da gente.

Tem gente que veio ao mundo só para passear.
Tem outro que veio para sustentar.
Tem quem chegou só para trazer problema.
Tem aqueles que vieram para resolver o esquema.

Tem gente que acha que todo mundo é mau.
Com isso, encontra pretexto para praticar muito mal.
Tem gente que planta o milho.
Tem gente que cuida do filho.

Rubens Prata

"É A VIDA, É A VIDA"




o rádio, as músicas que fizeram as nossas cabeças,
Preenchem o vazio dos cômodos.
Você na cama inerte, dolorida,
Pego sua mão, ensaio a sua volta uns passos de dança,
Beijo-te, te chamo de querida.
Mas você, entorpecida, permanece “tão longe
De mim distante”.

Lavo a louça, deixo a pia impecável, o chão bem limpo.
Com carinho e coração
Esfrego-lhe o corpo com arnica, cânfora e rubi.
“Teu corpo ainda é luz sedução”,
Mas você, “onde irá teus pensamentos?”

A música continua a ofuscar a solidão,
Deixo arroz e mistura prontos na geladeira
Ansiando o festejar do nosso almoço.
‘’Como é grande o meu amor por você’’

A madeira paciente, espera que eu lhe traga vida.
Que o Criador me guie ao talhá-la,
Que eu encante a todos que aguardam o fim da escultura.”

A arte me espera,
O dinheiro é curto, calculado,
Ao extremo planejado.
Os passos são medidos,
O passeio sempre adiado.
Assim é o cotidiano, até no feriado.

“É a vida, é a vida”,
De detalhes pequenos,
De passos minúsculos,
De tudo o que escolhemos,
O dever cumprido,
O caminho da glória.

R. Prata

19 de abril de 2012

EU NÃO GOSTO DE DOMINGO


Eu não gosto de domingo.
Nunca vi dia mais sem propósito
Aquele programa chato na TV,
O ritual enfadonho nas igrejas,
A família ansiosa por passeio e diversão,
Quando você só quer dormir para esperar a segunda feira.
Se não tomar cuidado aparece ainda um bêbado,
Que te enlaça dizendo que te ama,
Que você é um pai para ele.

Eu não gosto de domingo.
Os passeios os quais, só sonho,
Os lugares que não posso ir,
O tempo que é curto,
O tédio do nada fazer
O macarrão sem novidade,
A represa lotada,
A praia suja.

Eu não gosto de domingo.
O domingo é um paradoxo,
Um dia no qual você se obriga
A fazer não se sabe o quê,
A passear quando deseja descansar,
A dormir quando não tem sono.

Bom mesmo é segunda feira,
Quando a vida ganha sentido.
Objetivos se renovam,
A arte recomeça,
O compromisso é firmado,
O telefonema é inadiável,
A entrega da encomenda,
A rega do jardim,
O mato para arrancar,
O encanto do visitante,
As crianças na escola,
A razão do viver.

 E se perguntarem por mim,
Diga que estou ocupado
Divertindo-me com o trabalho cotidiano.

Rubens Prata
Passamos a vida estudando, vivenciando e tendo experiências para finalmente aprendermos a ficar calados.
R. Prata

Explode coração!



TUNTUM
Tuntum, tuntum
Bate coração
Exploda essa emoção
Pôe para fora tudo o que há de bom
Bombeia vida
Da cabeça à ponta da mão

Tuntum, tuntum
Bate coração
Escreva esse verso
Guardado por precaução
Pinte aquele quadro
Nascido da imaginação

Tuntum, Tuntum
Bate coração
Afine os sentimentos
No compasso do amor
Amor – amor – amor...

Tuntum, tuntum
Que está música seja boa
Que a vida não transcorra atoa
Seja samba rock ou bossa nova
Que o ritmo tenha o tom
Do bem, do belo e do bom
Tuntum – tuntum - tuntum...

R. Prata

P.S. Pois é, de vez em sempre eu fico bobo mesmo!
Comida vegetariana pode ser  boa para a saúde, o único problema é essa sensação de que está sempre faltando alguma coisa.
R. Prata

DNA, Cromossomos


O que somos?
DNA, cromossomos,
Sangue B. Sangue bom
Ritmo do coração
Instinto,  sensação
Batendo no compasso da emoção.

Somos corpo?
Muito vivo. Meio morto
Anoréxico. Esquelético
Fofo. Bem gordo,
Até gostoso
Estética não é ética

Somos almas encarnada?
Pessoas inacabadas
Ignorância atávica
Infames errantes
Errando, errando.
R. Prata

A irreverência é uma atitude de natureza rebelde que permanece presente naqueles que nunca envelhecem.
r.b.o.

AS DORES DA VIDA


Ah! Dores.
Dores nem sei de onde
Dores que a vida esconde
Dores do corpo
Dores da alma
Dores que o tempo avaliza
Dores que nada acalma
Corpo rijo, dolorido, fraco
Companheira sempre doente
Netos consecutivamente rebeldes

Ninguém contorna
O caminho da morte
Tanta tarefa por fazer
Tanta arte esperando
Esperando a potência que não vem
A disposição que o tempo te rouba

Vida infame e louca
Nada somos
Senão massa falida
Vitalidade pouca

Ah! Deus me acuda
Da covardia crônica
Da vontade pequena
Permita-me o trabalho
Até o último respiro da vida
Nem que seja um pouco doente
Mas, bem longe de médicos e da cama.

Rubens Prata

A leitura prejudica seriamente a ignorância.

26 de fevereiro de 2012

OUTRORA X AGORA

Já houve um tempo
Que o corpo era atlético
A disposição interminável
A vontade arrebatadora
A curiosidade imensa
A criatividade gigantesca

Já houve um tempo
Que a ignorância era tamanha
A experiência pequena
O medo enorme
A imaginação falha

Ah! Mas há o tempo
Num corpo pesado
A disposição fraca
Vontade nenhuma
A curiosidade dirigida
A criatividade sólida

Ah! Só o tempo traz
A consciência da ignorância
A experiência adquirida
Medo nenhum
A imaginação farta

É pena que não possamos juntar
O corpo e a vitalidade do ontem
Com a  ciência do hoje.

Rubens Prata

INSÓNIA


À noite fico acordado a pensar
No choro contido
Para não chamar atenção
Na risada aprisionada
Para não ferir sentimentos
Nas lamúrias refreadas
Pelo corpo doído
Para não acrescentar mais dor
A quem já sofre demais
No desespero abafado
De quem não tem vigor
Para resolver os problemas
Daqueles que me cercam

R. Prata

“Antigamente queimavam livros. Hoje queimam sites”
Movimento Direito para Quem...

24 de fevereiro de 2012

CASO PINHEIRINHO (CAMPO DE CONCETRAÇÃO PAULISTA)

Sou artista plástico e cristão e, como tal, minha premissa, neste blog, não poderia ser atacar, criticar ou publicar matérias em desacordo com o belo, o bom, a paz e o bem. Nosso papel deve ser: trazer para o mundo, beleza, encantamento, alegria, solução, e alguma crítica também. Por isso peço desculpas aos meus leitores pelo que vou dizer agora.

Hoje às duas da madrugada, assistindo a um vídeo que o Senador Suplicy levou ao senado para ser debatido e analisado junto com outros convidados e representantes públicos. Embora já conheça essa desumanidade e tivesse repassado todas as informações – vistas e recebidas – sobre o caso através de todos os sites de relacionamento que tenho. Não me contive!
O Brasil não pode mais tratar a população desse jeito. 

Acontece que já faz mais de um mês do ocorrido e a crueldade continua se multiplicando assustadoramente com as mais de mil e seiscentas famílias desalojadas. 

A ocorrência deu-se desse jeito: num determinado dia (é lógico que alguns moradores já deviam estar esperando o desfecho do processo), à tarde, jogaram panfletos na região dizendo que iriam  desalojar os moradores do Pinheirinho. No dia seguinte, às cinco horas da manhã, uma tropa de choque fortemente armada  e com luvas (provavelmente para não deixar impressões) invadiu o Pinheirinho, já atirando e jogando bombas para todos os lados (sabe-se de mortos e feridos). É óbvio, nem deu tempo de alguém se trocar, o pânico e o desespero foi inenarrável. Os policiais, cruelmente, deram  cinco, dez, quinze minutos para alguns pegarem seus documentos e roupas.

Encaminharam finalmente esse pessoal para abrigos. Em seguida, entrou máquinas derrubando imediatamente as casas com tudo o que havia dentro – móveis aparelhos, geladeiras, ferramentas, roupas etc.

Pois é, essa gente continua deitada no chão em quadras, em bancos de igreja, juntamente com milhares de semelhantes ao lado. Nem roupas tem! Quantos banheiros devem ter esses lugares? Como não estão esses banheiros com tanta gente? 
As filas para pegar a mirrada refeição são gigantescas e demoradíssimas. Em vista dessa balbúrdia, muitos trabalhadores obviamente tiveram que faltar ao emprego e foram despedidos. Os que trabalhavam por conta própria tiveram suas ferramentas destruídas. Estudantes ficaram longe de suas escolas, doentes e operados tiveram que faltar ao médico.

Essa situação não se assemelha a um campo de concentração? Não parece só faltar as autoridades paulistas mandarem esse pessoal para o chuveiro, como faziam os nazistas aos judeus?

Esses trabalhadores, tinham sonhos, não eram bandidos,  construíram casa com esmero, jardim, horta, frutas, alguns possuíam estabelecimentos comerciais no local.  Outros estavam na faculdade. Tinham família com idosos, bebes, crianças. Tudo acabou!

Por que?

O que se sabe é que o estelionatário, Naji Nahas (autor do golpe na bolsa de valores no ano 1989), estando ileso da cadeia, precisava do terreno para saldar dívidas com os “pobrezinhos banqueiros” aos quais devia. Será que ele não tem uma “mansãozinha uma “continha nas Ilhas Cayman’, para salvar esses “coitadinhos”? Isso não poderia ser só mais uma falcatrua do Naji?
Ainda que a lei obrigue a reintegração de posse, será que bom senso, um pouquinho de ética ou humanidade não impediria uma juíza de assinar a reintegração?

O que não dizer do Prefeito de São José dos Campos e pior ainda, do governador do estado mais rico do Brasil que poderia impedir e planejar antes uma alternativa honrosa propiciando condições dignas a essa população em vez de mandar suas tropas atacá-las?
É bom lembrar que o Estado de São Paulo tem o maior orçamento de todos os países da América Latina com exceção do México.

Para terminar, todos os procedimentos sobre essa desapropriação foram feitas de uma maneira muito rápida, de tal forma que até uma pessoa comum, como eu, desconfia que há mais “tretas”  nesse imbróglio. 

Enfim, agora são seis horas da manhã, não consigo dormir, faz um mês que não produzo uma escultura que encante, nem um verso que distraia. 

Rubens Prata

19 de fevereiro de 2012

18 de fevereiro de 2012

29 de janeiro de 2012

SOU CAIPIRA




Sou caipira
Não “sertanejo”
Tenho chapéu de palha
Não country
Uso botina
Não bota cow-boy

Sou caipira
De verdade
Não aprecio “balada sertaneja”
Mas me encanta a música
Que canta à vida com poesia
E formosura sonora

Sou caipira
Com sotaque
A mídia não faz minha cabeça
Mas Jesus, os livros, a vivência
“Ta ruim mais ta bom”
Não tem coerência

Sou caipira
Não empresário
O agro negócio leva soja para o norte
Traz a cana para o sul
Derruba a mata com trator.
Incendeia a Gaia que traz a vida
E eu, não derrubo a figueira
Que trará sombra para meus netos.

Sou caipira
Solidário
Não me incomoda
O veado que come a flor da abobreira
Ele é lindo!
Se a raposa soubesse...
Não precisaria roubar meus frangos
Eu os daria fritos com prazer
Portanto, reparto a abundância
Que a Terra me presenteia.

Sou caipira
Com certeza
Ensino meus filhos
Honestidade, respeito
Não cobiçar as coisas alheias
“Ai se eu te pego”
É frase feia.

Sou caipira
Com orgulho
Amante da natureza
Sou cria do Sol
Cio da terra.


R. Prata

LIBERDADE


Desenho, pinto me enlevo.
Ensaio uma dança,
Esculpo em relevo,
Com alma de criança,

Escrevo e canto,
Com música viajo,
Com flores me encanto,
Com o céu me deslumbro,
Como é lindo este mundo.

R. Prata

8 de outubro de 2011

COATZQUIL

VIAGEM A UM MUNDO DIFERENTE

Lá estava Rogério sentado à mesa sob o guarda-sol a apreciar o pessoal brincando na praia. Tudo é divino maravilhoso pensava ele ao lembrar da música com esse nome. O multicolorido do entardecer dourando a água, bronzeando ainda mais as figuras movimentando-se sob o sol alaranjado, a imagem do Cristo de braços abertos e o Corcovado davam o aval perfeito ao seu pensamento. Tudo é divino maravilhoso, repetia ele, murmurando baixo.
Aquele copo de suco de melancia em sua mão,era algo delirante. Pensava ele: melancia é mesmo surpreendente, enorme, saborosa; uma única fruta serve para  muita gente. Além do mais, tem manga, banana, jabuticaba. E assim continuou a pensar e a lembrar da incrível variedade de frutas brasileiras o que o levou a fazer um batuquesinho na mesa acompanhando a Aquarela do Brasil assoviada.
Qualquer um poderia estranhar este deslumbramento relacionado a tudo a sua volta. Estava feliz e de algum tempo para cá já vinha encantando-se com cada detalhe da vida no planeta, mesmo sendo um simples inseto ou uma minúscula flor inexpressiva que ninguém olhava.
Todo o dia não perdia um por do sol sequer, não deixava passar oportunidade de conversar e escutar com atenção a qualquer pessoa. Estava feliz a redescobrir o mundo com mais alegria do que uma criança com a novidade.
Tinha motivos de sobra para sentir-se alegre. Pois passara por situações, as quais, nunca ninguém vivera na Terra. Rogério era um desses sujeitos incomodado com tudo na vida. Ora era a baixaria na TV, ora  as crianças a gritar, resmungava com a falta de profissionalismo, contra os políticos corruptos, a baixa qualidade das músicas, a falta de assunto de todo mundo, o consumismo. São acontecimentos da nossa contemporaneidade com certeza. Mas, para nosso protagonista seria a bancarrota de toda a humanidade. Todavia, ficava bem  difícil aceitar a existência neste orbe.
Apesar de ser um crítico extremado, era honesto, justo, bondoso, um estudioso constante das coisas relacionadas à vida. Era sim, um esmiuçador, curioso e não perdia a oportunidade de correr atrás de tudo o que parecia esclarecer um pouco mais sobre os mistérios da existência humana e do cosmo.
Certa noite, quando voltava do trabalho, ficou estupefato com uma bola branca iluminada volitando sobre o jardim de sua casa. Imaginou logo que poderia ser o Boitatá. Portanto, não perderia a oportunidade de conhecer e desvendar mais esse mistério. Em certa altura da perseguição do estranho objeto sentiu-se como um bêbado impossibilitado de controlar seus passos e desfaleceu bem ali no gramado.
Acordou depois de um tempo  ao qual não podia precisar. Estava ao seu lado um estranho que irrompeu a dizer-lhe:
--Companheiro! Durante anos cogitastes estar noutro planeta, olhavas o firmamento durante a noite imaginando como seria bom estar num mundo onde não houvesse atribulações como as da  tua morada. Desejavas outro alimento, reclamavas de tudo, não suportavas os netos. Agora teus sonhos, realizar-se-ão, tu poderás viver em Coatzquil.
Um calafrio incontrolável, acompanhado de arrepios tomara conta do corpo de Rogério. Está certo que era um curioso e queria conhecer algo novo, mas aquilo era além do suportável para emoções humanas. Quem seria esse ser conhecedor da sua intimidade. Como poderia tal fato acontecer. Será que já me observavam há muito tempo?
Deduziu Rogério que mesmo tentando controlar seu pensamento para não emitir idéias errôneas, nada passaria  desapercebido. Fatalmente conheceriam seus recônditos mais inconfessáveis.
Aquelas magníficas e grandes criaturas, com roupa brilhante não demonstravam esforço nenhum para causar empatia. Seus grandes olhos negros eram penetrantes e magnéticos parecendo olhar além da personalidade nas profundezas da alma. Profundezas estas, cuja própria pessoa não conseguiria conhecer de si mesma. Portanto, era natural um receio muito grande da parte de Rogério; receio certamente notado por tais entes. 
Quando o terráqueo estava prestes a  ter convulsão um daqueles indivíduos traz-lhe um alimento em recipiente transparente tratava-se de uma substância rosa parecida com um mousse por baixo, em seguida vinha uma camada vermelho transparente amarelando até chegar na última camada com aparência de geléia de mocotó. Era saborosíssima, saciava a  qualquer fome, repunha imediatamente as energias do corpo de forma a restabelecer até o humor de Rogério e o mais impressionante era o fato de ser a comida não existente na Terra  a qual nossa personagem imaginava existir ou tinha lembranças em seus desejos.
Um zunido aconteceu ao abrir uma imagem de parede inteira mostrando a aproximação de Coatzquil. Uma cidade sombria, com variações de chumbo e negro, cujos edifícios se projetavam as alturas num céu cinzento e esfumaçado.
Desta vez, no desembarque foi preciso colocar uma espécie de aparelho em torno do pescoço de Rogério, aparelho, o qual traduziria e faria traduzir toda   conversa com os, assim chamados, tutelados - os naturais do planeta. Estes, por sua vez, usavam macacões chumbo; eram magros, baixos e pálidos, mais para acinzentados do que para salmon. Foram orientados  pelos mentores (descidos da nave) a levarem o novo morador a uma hospedagem até segunda ordem.
No caminho, só pequenos veículos em trilhos, telas para todos os lados, transmitindo palavras de ordem, nenhuma figura, nada de cores, nenhuma árvore, planta ou mesmo brisa. Não havia som de música ou pássaros, só um enorme burburinho de infinitas máquinas trabalhando. As janelas eram todas sem vidro mas resguardadas com ferros ou malhas.
         Os tutelados nada falavam, só inflamavam mais e mais a repugnância despertada no nosso principal personagem.
Na hospedaria alguns abrigados se refestelavam em frente a uma grande tela transmitindo  inexplicáveis e contínuas situações vergonhosas onde se expunha os mais íntimos sentimentos
 e defeitos de um ser que nem se podia chamar exatamente de humano.
         Exausto, Rogério solicitara um quarto ao hospedeiro, mas antes o tutelado, apresentando um sorriso debochado ofereceu-lhe um prato de comida, cuja  pasta escura apenas esboçava uma ligeira cor verde. Alimento  este, de afugentar o apetite de qualquer esfomeado.
         O quarto mais parecia um submarino apertado lotado de treliches  metálicas com janelinhas gradeadas com malhas que davam para a rua a vários metros abaixo. Seria este ínfimo espaço de apenas uma cama a morada onde teria de viver todas as suas particularidades neste planeta?  Matutava Rogério.
         Na cama, as aterradoras  constatações conspiravam contra o sono. Nenhum gatinho para afagar, um cachorro alegre a abanar o rabo para gente. Faltava o azul do céu, um Sol para marcar o tempo iluminando a vida. Quem sabe este povo sem expressão nenhuma para despertar sentimentos, não conheça música, teatro, artes, flora, fauna, culinária? Talvez cores!
Por que tanta diferença entre os mentores e os tutelados? Seriam os mentores alienígenas a escravizar este mundo de almas vazias para extrair deste lugar elementos necessários para sua subsistência?  Como se rebelar então se eles saberiam  de antemão o desejo de qualquer um? Ai meu Deus! Saberiam até o que penso agora!
Não tem escapatória! Estas palavras se repetiam continuadamente na mente de Rogério até descambar em sono profundo.
Ao amanhecer, os mentores ordenaram que lhe servissem um alimento especial, já que o terráqueo recusaria a pasta servida costumeiramente no albergue. Contudo, Rogério deveria se apresentar no grande espetáculo dos habitantes de Coatzquil. Ofereceram-lhe uma roupa limpa cheia de apetrechos brilhantes nada agradáveis a ele. Porém, tudo era conduzido maquinalmente, sem nenhuma explicação. Com a recomendação de não perder, depuseram sobre suas mãos  um objeto parecido com um cetro de vidro com luz pulsante e o colocaram num veículo de dois lugares que trafegava sobre os trilhos já vistos anteriormente. 
        O longo caminho só confirmava o que constatara na chegada,  absolutamente nenhuma criatividade no percurso, nem ao menos vento, só as gigantescas telas colocadas em seqüência de forma a nunca sumir da vista em qualquer lugar.



Nas telas, enquanto Rogério refletia sobre esta grande mídia ininterrupta ditando os usos e costumes da região,  iniciava o grande show no qual um tutelado sempre fazendo chacota apresentava convidados - todos eles com um cetro idêntico ao dele nas mãos. No programa eram expostos os defeitos de caráter, de cada um. A cada deformidade a platéia gritava. Alguns convidados faziam palhaçadas, outros choravam copiosamente fazendo os espectadores  delirarem ainda mais – inclusive nas ruas. Era, como se estivesse acontecendo uma grande copa do mundo. Quem ganharia este  campeonato de puro escárnio?
Rogério, terrificado,  percebia agora seu destino. Afundando-se no assento do veículo conjeturava que aquele era seguramente um planeta subjugado – não com o  uso de armas, mas por causa da nulidade de seus habitantes. Ou seja, eram prisioneiros  por seus próprios defeitos. Seria a falta de solidariedade, respeito, dignidade dessa gente a levá-los à escravidão ou, a servidão de longo tempo os fizeram perder totalmente sua comiseração? Indagava interiormente  Rogério.
O viajante ao lado aproveitando-se do pavor de Rogério, mesmo porque nosso personagem murmurava alto sobre seu desconhecimento das regras daquela civilização, sugeriu a ele que quebrasse seu cetro pois sem o referido instrumento não participaria do espetáculo.  Sem pestanejar, carregado de raiva, arrebentou o objeto contra a lateral do carro. Luzes maiores e um estouro se desprendeu do cetro ao quebrar-se. O tutelado, ao lado, não continha a risada de deboche.  Imediatamente a cena tomara conta dos telões da cidade. Rogério, portanto, ficou sendo a estrela principal do grande espetáculo no momento.
As câmaras o acompanhavam até a chegada na grande arena onde os convidados eram oprimidos. O apresentador excitava a platéia anunciando a maior zombaria dos últimos tempos.
--Teremos aqui este estrangeiro roliço e inchado que solta baforadas de fumaça pelas ventas. Anunciava o mestre de cerimônias referindo-se à gordura e o hábito de fumar de Rogério.
Ele é maior do que nós, mas qual seriam seus segredos mais íntimos? Continuava o locutor.
Tremor incontrolável apoderava-se do corpo de Rogério  enquanto se esforçava para banir de si qualquer emoção.
De repente, numa explosão de ódio e coragem bradou em público o estrangeiro:
--AHHHHH!...
Vocês não sabem o significado de liberdade?
Liberdade é a consciência de estar livre, de não ter mandante, de fazer só o desejado, de dormir e levantar quando tiver vontade.
Isso é liberdade! Eu venho de um planeta azul,  muito lindo, onde os seres como eu são  livres quando pretendem.
Azul! Vocês nem avaliam a cor azul. Aqui tudo é mortificante, sem cor, sem alegria.
Escravidão! Fatalmente desconhecem esta palavra também. Escravidão é a situação na qual vocês vivem, como prisioneiros, obrigados a fazer tudo o que os mentores exigem. São cativos de sua própria ignorância.
Enquanto ele falava o alvoroço tomava conta dos ouvintes. O apresentador gritava:
--Vai para o trono ou não vai? 
Merece a coroa ou não?
--Está certo! Está certo! Sentimento não se ensina só com discurso.  Minhas palavras serão sempre vãs para analfabetos de emoções. Respondia Rogério sem importar-se mais  com a ciência dos mentores.
A balbúrdia tomara conta da cidade, enquanto o filho  de Gaia  deduzia que só um ser Crístico poderia  ensinar esse povo sem esperanças  e mesmo assim, demorariam milênios para assimilar a orientação do Mestre.
Ao lembrar do mar, das aves, do por do Sol nosso aventureiro amealhava forças para agir. Afinal era ele mistura de muitas raças, o próprio sal da terra, um homem livre que nunca deporia suas armas, os seus argumentos libertários, a sua feliz anarquia. Portanto, altivo, simplesmente  retirou-se da arena e caminhou pela cidade dono e senhor de si mesmo.
Muita gente o seguia esperando um desfecho surpreendente para o show do dia. Mas, a consciência de sua humanidade terrestre lhe conferia tal magnetismo a ponto de fazer  calar a multidão a aumentar a sua volta. Os telões de todos os lugares mostravam o espetáculo de um homem capaz de quebrar todas as regras ao realizar sua própria vontade.
A lembrança dos amados deixados na Terra entristecia nosso herói que não abaixava a cabeça e nem mostrava medo. Estava decidido, a morte seria o final de sua peregrinação. Além de livrá-lo do martírio da servidão, tornar-se-ia o precursor de alguma pequena conscientização de liberdade naquela gente sem princípios.
Entrou num edifício, sem importa-se com os presentes subiu as escadas cada vez a passos mais largos e decididos, os andares se sucediam apresentando sempre as mesmas grades nas janelas até chegar ao último, um terraço onde havia o parapeito. De pé, em cima da mureta, Rogério olhava a multidão lá embaixo. Os telões já o mostravam novamente nas alturas. O povo talvez até tivesse alguma piedade ao vê-lo precipitar-se.
Na aflição da queda ouvia seu neto:
--Vovô! Vovô! Olha o desenho que fiz para você. De repente um grande susto acelerava seu coração, uma chacoalhada seguida de um ensurdecedor estrondo.
--BUUMMMMM!
--Chuva! É chuva! Bradava continuamente Rogério não cabendo de contentamento ao sentir a água caindo no seu rosto. Abraçando seu neto repetia:
--O Boitatá é um anjo! O Boitatá mostrou-me que viver aqui  na Terra usufruindo este grande presente do Criador é tudo do que precisamos.
--Ah vovô! Todo mundo te procurando e o Senhor aqui deitado na grama. Eim!
--“Água que nasce na fonte
Serena do mundo
E que abre um
Profundo grotão
Água que faz inocente
Riacho e deságua
Na corrente do ribeirão...”

Dançava e cantava assim nosso herói.
,--Pare de dançar na chuva vovô. Está trovejando!
--BUMMMMM!
--Vamos entrar Toninho!

Um ano depois, sob o quarda-sol da mesa,  com um delicioso suco de melancia, assoviando Aquarela do Brasil, retira o notbook  e escreve:

MINHA CASA

Quero ficar com o pé no chão.
Não quero dar voltas pela galáctica.
Não vou viajar num disco voador.
Nem desejo conhecer a Via Láctea.

Meu gênio animal está perfeitamente adaptado,
para aqui existir.
É aqui onde posso ter liberdade.
Aqui, onde tenho raízes profundamente plantadas.
Aqui, onde minhas sementes foram espalhadas.
As sementes que dão frutas:
caqui, jabuticaba, sapoti
As sementes que dão frutos:
consciência, caráter, dignidade.
.
O planeta Terra é minha única casa!
Não tenho onde ir!
Não posso partir!
Não há como sair!

Devastar deve ser motivo para a guerra.
Queimar a floresta é matar nossa vida.
Derrubar árvores é roubar nossa Terra.
Essa gente assassina,
só pode ser tratada como bandida,
deste planeta,
deve ser banida.

Não sou forasteiros.
Sou filho da Terra.
.Sou feito de água
do rio,
do céu.
do mar,
Fui esculpido com o pó da terra
Preciso do ar.

Sou da terra o sal.
Sou aquele que faz a diferença,
Sou mesmo o mineral,
Sou aquele que pensa.
Sou guerreiro.
Sou bravo.
Sou forte.
Posso enfrentar o poder,
até a morte.

Minha arma é minha língua.
A luta é minha sina.
Venha comigo,
quem a mim se afina.
Nosso canhão é a palavra.
Nossa metralhadora a internet.
Nossa bomba atômica é a atitude

Sai da frente
que eu atropelo.
Minha bandeira
é o planeta Terra.
Minha arma é o verbo.
Minha paciência já era.

Rubens Prata